quarta-feira, abril 26, 2006

Atlântida

Atlântida, terra misteriosa
ligada ao misticismo dos Açores

Existiu na realidade o continente perdido da Atlântida ou a narrativa da destruição de uma ilha paradisíaca poderá ser apenas um conto moral? A história da Atlântida foi contada pela primeira vez por Platão como uma parábola para exemplificar como o Céu castiga os que adoram falsos deuses. Porém, simultaneamente, Platão sugere a autenticidade da narrativa, que servia a reminiscência de um terrível cataclismo, transmitida oralmente ao longo de centenas de anos. Mito ou realidade, a lenda da Atlântida tem inspirado uma pesquisa constante ao longo dos séculos; e muitos são os caminhos que levam aos Açores.

Num fim de tarde de 3500 anos antes de Cristo, o Verão no mar Egeu, calmo e longo, aproxima-se do seu termo. Os raios do Sol, no ocaso, incidem sobre uma ilha minúscula de recorte circular quase perfeito, tão bela com o seu vulcão ocre emergindo de um mar violeta que mesmo entre as ilhas do mar Egeu sobressai pela sua beleza. As andorinhas riscam o céu, volteando no poente rubro. A leve brisa da tarde agita os ramos das oliveiras. No porto reina a calma, agora que as tarefas do dia terminaram. Os pescadores regressam a casa com as suas presas brilhantes e prateadas. As ruas estreitas enchem-se de gente, que conversa e ri. Sentadas nas soleiras das portas, as mulheres tagarelam, enquanto das inúmeras olarias da cidade se ergue o alegre chiar da roda do oleiro. Terminado o dia de trabalho, os homens deixam os pomares e as vinhas e dirigem-se para casa. As sombras alongam-se em uníssono com a noite que cai. Então um calor estranho e sufocante envolve a cidade. O mar torna-se cor de chumbo. Das entranhas da terra vem um ruído surdo e abafado, intermitente primeiro, continuo em seguida. Os habitantes são tomados de pânico. Pressentem que o grande vulcão, cujo pico de cerca de 1500 m domina as suas vidas, está prestes a entrar em erupção e o deus que no interior do vulcão rege as forças que abalam a terra acordou do seu longo sono. No entanto, os habitantes não poderiam imaginar, ao abandonarem precipitadamente as casas levando consigo apenas alguns haveres apanhados à pressa, que a sua cidade, a ilha e também toda a sua civilização estavam prestes a ser destruídas por um cataclismo vulcânico que, segundo provas reunidas por vulcanólogos e sismólogos de épocas posteriores, é considerado como um dos mais violentos jamais ocorridos. Primeiramente surgiu um penacho de fumo negro e sufocante. Depois, entre explosões deflagrando de cone, desabou uma terrível chuva de pedra-pomes incandescente, seguida de cinzas. No auge do cataclismo o próprio vulcão, sujeito a enormes pressões internas, explodiu. Com um fragor que ecoou nos confins do Mediterrâneo (ou no Atlântico) e que certamente teve ressonâncias de fim do Mundo, grande parte da ilha desfez-se em pó. Finalmente, a câmara de magma sob o vulcão esvaziou-se, vomitando milhões de toneladas de rocha sólida – e o enorme vulcão abateu-se sobre si próprio, formando uma caldeira ou cratera de encostas abruptas de cerca de 60 km de perímetro. O mar precipitou-se nesse vazio, trazendo na sua esteira ainda mais horrores – os gigantescos tsunamis, maremotos desencadeados por tremores de terra ou erupções vulcânicas, que são provavelmente as mais aterradoras forças da Natureza. Ondas de cerca de 200 m de altura irradiaram da ilha, atingindo os litorais próximos com uma violência nunca igualada. Eis a sequência dos acontecimentos que destruíram a ilha há 3500 anos, tal como os cientistas de hoje a imaginam. Esta explosão, segundo os seus cálculos, produziu uma força destruidora equivalente a 500-1000 bombas atómicas. Uma terrível escuridão, provocada pela densa chuva de cinzas, caiu sobre o mar Egeu, (ou no Atlântico) mergulhando-o numa noite que se prolongaria por semanas. Durante algum tampo, a cinza continuou a cair e ainda hoje se encontram depósitos dela, designados por tephra, a mais de 60 m de profundidade sobre o que resta da ilha denominada Kalliste pelos antigos gregos. Actualmente, os cientistas crêem que o sucedido em Kalliste poderá constituir a chave para o enigma que tem preocupado historiadores e geógrafos desde os tempos do filósofo grego Platão (c. 427-347 a. C.). Platão, um dos fundadoras do pensamento ocidental, foi a nossa única fonte directa no que diz respeito a lenda da Atlântida e o seu relato fragmentado do continente tragado pelo mar ainda hoje excita as imaginações. A Atlântida de Platão era uma espécie de paraíso: uma grande ilha, «maior que a Líbia e a Ásia em conjunto» (Nesse tempo ainda não se conheciam as verdadeiras dimensões dos continentes) – com imponentes cadeias de montanhas, planícies luxuriantes onde proliferavam todas as espécies de animais, incluindo elefantes, e exuberantes jardins onde os frutos eram «belos e prodigiosos e em número infinito». Abundavam os metais preciosos, especialmente o mais apreciado pelos Antigos, o fabuloso e iridescente oricalco, uma liga de cobre – possivelmente latão. A capital da Atlântida, implantada exactamente no centro da ilha, era notável pelas proporções e magnificência dos edifícios públicos, onde as pedras brancas, pretas e vermelhas se combinavam harmoniosamente. Mais extraordinário ainda, talvez, era o projecto a que obedecera a construção da cidade, a qual se distribuía por cinco zonas, formando círculos concêntricos perfeitos. Os diversos portos eram servidos por um sistema de canais. Platão refere que o canal e o porto da capital se encontravam «repletos de embarcações e comerciantes vindos de todas as partes, imensa multidão que dia e noite ... produzia um rumor continuo, confundindo as vozes humanas com os mais variados sons». No centro da cidade erguiam-se o grande palácio e o templo – este mais sumptuoso ainda: «Todo o exterior do templo, exceptuando os pináculos, que eles tinham coberto de ouro, estava revestido de prata. No interior do templo, o tecto, de marfim, apresentava curiosos embutidos de ouro, prata e oricalco; todas as restantes partes, as paredes, os pilares e o solo, haviam sido recobertas de oricalco. No templo colocaram estatuas de ouro; ali se encontrava o deus que veneravam, de pé num carro – um auriga conduzindo seis cavalos alados – de tão grandes proporções que a sua cabeça atingia o tecto; a sua volta cem nereidas montavam golfinhos ...» Este auriga era Posidon, o deus dos mares, o que abala a Terra. Quando ele e seus divinos irmãos Zeus e Hades partilharam o mundo, a Atlântida coube a Posidon, que se tornou então o senhor todo poderoso da ilha e a povoou com os seus descendentes, uma raça nobre e protegida pelos deuses. Os dez reis da Atlântida, embora imensamente ricos e poderosos, governaram com sabedoria o enorme império que construíram. Inúmeras gerações de habitantes da Atlântida viveram em paz regidas por um sistema de leis que lhes fora transmitido por Posidon e cuja equidade suscitava admiração universal. Em determinado momento, porém, a sociedade da Atlântida entrou em decadência. O povo começou a adorar os falsos deuses da riqueza, do ócio e da luxuria. Platão, sempre pessimista em relação à natureza humana, escreve: «Quando a centelha divina começou a extinguir-se, frequentemente enfraquecida ante a matéria mortal, e a natureza humana tomou o lugar preponderante, então os habitantes da Atlântida, incapazes de arrostarem com o seu destino, comportaram-se indecorosamente e, para quem tinha olhos para ver, ficaram progressivamente privados do mais belo dos seus preciosos dons; porém, face àqueles que não tinham olhos para ver a felicidade autêntica, surgiam gloriosos e felizes no momento preciso em que a avareza e o poder iníquo os dominavam.» Foi durante esta época de corrupção que os habitantes da Atlântida se lançaram numa guerra para a conquista do Mundo, enviando poderosas frotas contra as outras ilhas e escravizando as populações das colónias estabelecidas nas costas do Mediterrâneo (ou no Atlântico). Atenas, a cidade consagrada a Atena, deusa da sabedoria, das artes e ofícios e da guerra, foi a única que conseguiu resistir-lhes. Os hoplitas atenienses, ou infantaria pesada, lograram conter o fluxo invasor. Esta vicissitude não foi, porém, a última. Os deuses tinham preparado um castigo implacável para os homens que haviam traído a antiga crença da Atlântida. E Platão prossegue: «Sobrevieram então terramotos violentos e inundações; e num dia e numa noite de infortúnio apenas ... a ilha da Atlântida desapareceu nas profundezas do oceano.»

Segundo a versão de Platão, estes acontecimentos ocorreram numa antiguidade remota, há cerca de 12 000 anos. Platão situou a Atlântida no Grande Oceano, o Mar Ocidental, (no Atlântico) cujas ondas se erguiam para lá das Colunas de Hércules, o actual estreito de Gibraltar. Assim, a maioria das polemicas posteriormente geradas em torno da existência e da posição geográfica da Atlântida tem origem nesta localização no tempo e no espaço.

Qual a fonte do relato de Platão e até que ponto deve ser tida como certa. Quais as circunstâncias em que foi escrito e qual o seu objectivo ? Há apenas 100 anos, as cidades de Tróia e de Micenas eram, tal como a Atlântida, consideradas um mito. Os investigadores eram de opinião que a Ilíada, o poema épico de Homero que descreve o cerco de Tróia, se fundamentava na lenda e na imaginação. No entanto, a busca solitária de um autodidacta alemão, Heinrich Schliemann (1822-1890), estava destinada a anular os dogmas oficialmente aceites. Convencido de que a Ilíada se baseava em factos históricos, Schliemann utilizou-a como guia para o mundo perdido de Tróia. A sua grande aventura tornou-se um exemplo para muitos defensores da teoria da Atlântida. Nas palavras do príncipe Miguel da Grécia: «A reabilitação de Homero e a vitória, tardia mas definitiva, daqueles que nele acreditavam podem ser motivo de reflexão para os que põem em duvida a existência da Atlântida.» Poder-se-á, no entanto, defender Platão do mesmo modo que Homero ? A história da Atlântida difere da de Tróia num aspecto importante: não fazia parte de qualquer tradição oral. Não era uma lenda transmitida oralmente de geração para geração ao longo de séculos. Era a obra de um homem, Platão. A história da Atlântida surge em dois dos famosos Diálogos de Platão – Time e Critias. Estes Diálogos eram essencialmente transcrições dos debates filosóficos a que se entregavam frequentemente os intelectuais de Atenas. Platão tinha por habito animar o debate destas ideias secas, abstractas, apresentando-as sob a forma de alegorias, parábolas e outros artifícios literários. Imaginou um grande número de histórias a fim de tornar mais agradáveis e mais persuasivos os seus argumentos lógicos. Não será possível, e até mesmo provável, que a narrativa da Atlântida seja apenas uma destas fábulas imaginada para ilustrar uma tese filosófica. Nos Diálogos, o narrador e Critias, primo de Platão e também discípulo de Sócrates. Em três momentos distintos, Critias insiste na veracidade da narrativa citando o próprio Socrates como tendo afirmado que ele apresentava «a grande vantagem de ser um acontecimento verídico, e não um produto da imaginação».

Crítias afirma ainda que a história lhe fora narrada pelo seu bisavô Dropides, que por sua vez a ouvira a Sólon. Esta afirmação, a ser verdadeira, é susceptível de conduzir a reflexão mesmo os mais cépticos, pois Sólon era conhecido em toda a Grécia pela sua probidade. Sendo o mais celebre legislador da Antiguidade Clássica, Sólon era ainda considerado o mais erudito dos Sete Sábios da Grécia. Viveu entre cerca de 640 e 558 a. C., dois séculos antes de Platão ter relatado a história da Atlântida – um lapso de tempo relativamente curto para que uma história deste tipo se mantenha viva por tradição oral. Sólon não confirmava a originalidade da história. Ele próprio tivera dela noticia durante uma viagem ao Egipto cerca de 590 a. C. Em Saís, uma cidade antiga no delta do Nilo, tivera contactos com os sacerdotes da deusa Neith. Estes homens possuíam elevada cultura e Sólon, sempre ávido de novos conhecimentos, interrogara-os sobre os tempos antigos. Um velho sacerdote referira pormenorizadamente os feitos heróicos dos seus próprios antepassados atenienses de há 9000 anos e o trágico destino da ilha da Atlântida. Impressionado pela narrativa, Sólon traduziu-a para o grego com a intenção de a converter num poema épico, pois, além de homem de Estado, era também um poeta notável. Não viveu no entanto o suficiente para realizar esta aspiração. É possível, portanto, que tenham sido os Egípcios, esses historiadores meticulosos obcecados pelo passado, com as suas tábuas e arquivos sagrados, quem preservou a história da Atlântida. Admitindo que a Atlântida existiu realmente, esta sua ligação com o Egipto reveste-se de enorme importância, pois significa que os Egípcios, além de terem conhecimento da existência da Atlântida, mantinham possivelmente relações comerciais com a ilha.

Se esta relação com o Egipto é autentica, o carácter nebuloso da narrativa de Platão poderá ter-lhe sido conferido pelo próprio filosofo. E provável que este tenha transmitido a lenda numa forma muito semelhante àquela que ele próprio escutara, adaptando-a e transformando-a de acordo com exigências puramente literárias, pois assistia-lhe esse direito. É importante sublinhar que as intenções de Platão ao relatar a lenda da Atlântida eram mais filosóficas que históricas. Grande número de comentadores omite que, nos Diálogos, Platão se ocupa da sabedoria, das instituições e da influência de Atenas, e não da Atlântida. Os habitantes desta última formam. um contraste lógico com os antepassados de Sólon e do próprio Platão. Estes atenienses de antanho, que Platão designou por homens probos», haviam criado algo de semelhante ao Estado ideal que o filosofo apresenta na sua Republica. Assim, a história da decadência da Atlântida seria um pano de fundo sobre o qual se recortam mais nitidamente as virtudes deste Estado filosófico.

Alguns escritores clássicos, contudo, não encaravam seriamente esta parábola de Platão. O seu discípulo Aristóteles sustentava que ela era apenas uma invenção poética destinada a realçar a narrativa e que Platão criara a Atlântida com o único propósito de à afundar no final da história. Muitos outros escritores adoptaram uma posição semelhante. Outros ainda, porém, hesitavam. Crantor, que viveu cerca de 300 a. C. e foi o primeiro comentador das obras de Platão, afirmava que a descrição da Atlântida era rigorosa em todos os seus pormenores. Crê-se que Crantor chegou mesmo a ir ao Egipto para verificar as fontes de Sólon na sua origem. Alguns séculos mais tarde, Possidónio (c. 135-50 a. C.), sábio e filósofo estóico, afirma a crença de Platão quanto à autenticidade da história. Realidade ou ficção. É uma polemica que se arrasta há cerca de 23 séculos, que estimulou as mais extravagantes fantasias e deu origem a inúmeras e complicadas pesudociencias. A Atlântida tornou-se o campo propício onde se movimentam os iniciadores de falsas religiões, praticantes de ciências ocultas e magia negra, espiritas, videntes e escritores de ficção cientifica, despertando simultaneamente a atenção de arqueólogos idóneos.

Porquê a eterna fascinação da Atlântida, o continente perdido? Ela foi pretexto de inúmeros mitos, uma terra idílica situada na direcção Oste, no caminho do Sol poente ... o jardim das Hespérides, onde os frutos das macieiras eram de ouro ... os Campos Elísios ... o país dos Hiperbóreos – todos localizados no vasto Mar Ocidental que, segundo se cria, tragara a Atlântida. Na Idade Media e no Renascimento, atribuía-se a mesma localização às lendárias ilhas Felizes, às ilhas dos Bem-Aventurados e á ilha de S. Brandão. Quando a geografia é consequência da imaginação, surgem possibilidades ilimitadas; assim, o pensamento pré-moderno povoou os mares de ilhas Fabulosas, terras de leite e mel onde os vivos e os mortos se reuniam numa eterna ventura.

A história e a lenda contém inúmeras referências a ilhas que foram tragadas pelo mar – a misteriosa ilha de Avalon do rei Artur, por exemplo. Este conceito não é totalmente fantasista. O aparecimento de ilhas vulcânicas que emergem e seguidamente desaparecem no mar e um facto que se verifica no oceano Atlântico, nos Açores isso já aconteceu. (Ex. Ilha Sabrina) e próximo da Islandia.

Platão indica claramente que a Atlântida se situava no oceano Atlântico, o que levou um certo número de investigadores a procura-la nessa área, persuadidos de que existira outrora um imenso continente no meio do oceano. Segundo esta teoria, os Açores, as ilhas de Cabo Verde, as Canárias e a Madeira seriam os cumes das montanhas da Atlântida e o que permanece visível de um continente perdido. Só no século XV, com os descobrimentos europeus, a Atlântida saiu da lenda e foi aceite como realidade. Os cartógrafos da época incluíram-na nos seus mapas, embora tivessem apenas a imaginação como ponto de referência. Aquando da descoberta da América, esta foi rapidamente identificada como sendo a Atlântida, não obstante a pertinente objecção de que se tratava de terra seca que nunca estivera submersa. Tais lapsos e incertezas em nada contribuíram para desencorajar um renovado interesse pelo continente perdido. Tinha-se iniciado a pesquisa histórica da Atlântida. No século XIX, culminando uma proliferação de teorias e antiteorias, surge: uma nova «ciência» – a atlantologia. Um dos primeiros atlantologos celebres foi Ignatius Donnelly, político americano e membro do Congresso dos Estados Unidos da América. Em 1882, Donnelly publicou a sua obra-prima, Atlântida: o Mundo Antediluviano, estudo que; obteve grande êxito, tornado-se a bíblia da atlantologia. A tese de Donnelly baseava-se em certas semelhanças que observara entre as civilizações pré - colombianas da América e a antiga cultura do Egipto. Donnelly citava entre outras a construção de pirâmides, a arte de embalsamar, o estabelecimento de um calendário de 365 dias e a tradição do Dilúvio. Estava persuadido de que as duas civilizações tinham uma origem comum, um continente que existia entre o Velho e o Novo Mundo antes do Diluvio, e que, uma vez submerso este continente, duas culturas tinham surgido, uma a Oriente, outra a Ocidente: Na elaboração da sua teoria, Donnelly recorreu profusamente à ciência da época, associando com considerável erudição e habilidade literária a arqueologia, mitologia, linguistica, etiologia, geologia, zoologia e botânica. Esta miscelânea cientifica estava destinada a um futuro brilhante, proporcionando uma fonte inesgotável a uma extensa série de seguidores.

Os que secundavam Donnelly dispunham de grande número de teorias para apoio das sua causa. A atlantologia surgia como solução para muitos enigmas consagrados. Os misteriosos hábitos de reprodução das enguias, por exemplo, as quais, partindo da Europa, atravessam o Atlântico numa viagem longa e arriscada para desovar no mar dos Sargaços, eram explicados pela sua experiência passada nos rios da Atlântida. A Atlantida era considerada a pátria original dos Bascos, povo sem afinidade rácica e linguística com os outros povos europeus, e das tribos de Índios brancos, encontrados, por exemplo, na Venezuela. Os Guanches, aborígenes das ilhas Canárias que viviam em cavernas e que foram eliminados quando os Espanhóis conquistaram as ilhas, eram certamente descendentes dos habitantes da Atlântida. De elevada estatura e pele branca, possuíam uma língua escrita indecifrável. O deus pré-colombiano, branco e de barbas, a quem os Maias chamavam Kukulcan, os Toltecas, Quetzalcoatl, e os Incas, Viracocha, e que viera do Oriente por mar e fora portador de uma civilização, só da Atlântida podia ser originário. Qual o fundamento das teorias de Donnelly à luz das ciências modernas, em especial da geologia dos oceanos, que nos últimos 30 anos conheceu um desenvolvimento notável ? Grande parte das analogias indicadas por Donnelly era suficientemente inquietante para causar acesa controvérsia na época; actualmente, porém, não existe qualquer duvida de que a sua teoria continha uma infinidade: de equívocos. Donnelly pretendeu demonstrar que praticamente todos os enigmas do Mundo estavam de certo modo relacionados com a Atlântida e, ao tentar justifica-los, expôs-se a critica de que nada conseguira realmente provar.

A base sobre a qual as teorias de Donnelly se fundamentam – a Atlântida estava localizada no meio do oceano Atlântico – tem sido vigorosamente contestada. Os estudos oceanográficos do fundo do mar e da formação dos continentes revelam que em parte alguma dos 82 217 000 km2 do Atlântico se encontra qualquer prova da ocorrência de um cataclismo com as proporções do que teria atingido a Atlântida, ou de que este continente tenha alguma vez existido. De norte a sul estende-se uma enorme cadeia de montanhas com cerca de 20 000 km de comprimento, que emerge nos Açores, e em outros sitios, como a Islândia, a ilha Brasileira de Fernando de Noronha, as ilha de Ascenção, entre outros. No entanto, embora se trate de facto de uma cadeia de montanhas de origem vulcânica, esta encontra-se «em expansão» – elevando-se para a superfície –, enquanto a Atlântida se encontraria em afundamento. Para refutar a teoria de Donnelly, foram necessários o equipamento e os técnicos modernos. Em 1912, porém, a história da Atlântida era suficientemente convincente para ressuscitar a imaginação de um público crédulo. Nos Estados Unidos foi o expoente máximo do jornalismo sensacionalista. Há alguns anos o New York American de William Randolph Hearst proclamava em grandes parangonas: «Como encontrei o continente perdido da Atlântida, fonte de toda a civilização.» O artigo está assinado pelo Dr. Paul Schliemann, apresentado como um certo do descobridor de Tróia.

O autor do artigo pretendia ter na sua posse documentos secretos legados pelo seu celebre avô, os quais continham estranhas revelações acerca do continente perdido da Atlântida, de enorme importância para o mundo civilizado. Era uma história dramática, ou antes, melodramática. Os documentos encontravam-se num sobrescrito selado com a inscrição: Só poderá ser aberto por um membro da família [Schliemann] após juramento solene de que dedicará a sua vida as investigações descritas nos documentos anexos.» Paul Schliemann fez o juramento e abriu o misterioso sobrescrito. A primeira indicação nele contida determinava que quebrasse um vaso encimado por um mocho que fora guardado com os documentos. Dentro do vaso, Schliemann encontrou uma curiosa moeda quadrada, feita de uma liga branca desconhecida, com uma inscrição em caracteres fenícios: «Procedente do Templo das Paredes Transparentes.»

Com entusiasmo crescente, Schliemann percorreu as anotações do seu avô, encontrando uma referência a um grande vaso de bronze que fora descoberto nas escavações de Tróia, o qual ostentava uma inscrição intrigante: «Oferecido por Crono, rei da Atlântida.

Schliemann contava que partira então numa viagem à volta do Mundo em busca de novas provas. Pretendia ter descoberto dois manuscritos que confirmavam o relato de Platão, segundo o qual a Atlântida se afundara no oceano Atlântico. Um deles, conservado em Londres, era de origem Maia; o outro, guardado num mosteiro tibetano, era um documento caldeu com mais de 4000 anos. Ambos provavam que haviam existido povos civilizados antes do diluvio.

O artigo de Schliemann terminava prometendo novas revelações surpreendentes. A sua história, composta por todos os elementos de uma clássica história de suspence acrescida do mistério antigo, fez sensação em muitos países. Revelou-se, no entanto, uma história sem conclusão. As revelações prometidas nunca se tornaram realidade. Paul Schliemann desapareceu simplesmente e desde então nunca mais se ouviu falar dele.

Para os mistificadores como Paul Schliemann, para os amadores de partidas, cabalísticos e excêntricos de todo o género, a história da Atlântida possui uma atracção irresistível. Porém, enquanto ocultistas e visionários que gravitam nos aspectos superficiais do culto dominando os grandes títulos, existe um número igualmente importante de estudiosos honestos, os quais a publicidade ignora. Estão neste número os historiadores, geógrafos, escritores, políticos, botânicos, oceanógrafos, arqueólogos, poetas, linguistas e até o cientista britânico Frederick Soddy, Laureado com o Prémio Nobel de Química em 1921.

A Atlântida é susceptível de atrair os mais diversos espíritos. Já fez correr rios de tinta. Recentemente, um jornalista perito em arqueologia, o almejado C. W. Ceram, revelou que existem cerca de 20 000 obras sobre o assunto. Um dos mais estranhos episódios da saga da Atlântida relaciona-se com o profeta e vidente americano Edgar Cayce (1877-1945). Cayce, um fotógrafo de sucesso, ganhara renome como curandeiro, e, quando em transe hipnótico, tinha visões surpreendentes, que frequentemente diziam respeito à Atlântida. Afirmava que grande número dos seus «clientes» eram habitantes da Atlântida reencaminhados, que possuíam uma característica comum – um conhecimento invulgar de assuntos técnicos. A sua descrição da Atlântida, que se manifestou no decurso de centenas de transes entre 1923 e 1944, era extraordinariamente semelhante à de Platão, embora se acreditasse que Cayce nunca lera os livros. A sua Atlântida possuía uma civilização de elevada técnica e se haviam guindado a níveis altamente sofisticados. Os habitantes da Atlântida haviam dominado todas as Fontes de energia, particularmente a energia atómica, e conheciam os princípios do voo. O seu mundo fora destruído em três holocaustos nucleares distintos ocorridos nos anos 50 000, 28 000 e 10 000 a. C. Esta última data corresponde aproximadamente à indicada por Platão para a catástrofe que assolou a Atlântida. Cayce revelou, no entanto, que os habitantes, na sua maioria, escaparam ao aniquilamento, pois haviam previsto as calamidades que se aproximavam. Assim, dispersaram-se para Leste, para o Egipto, e para Oeste, para o Peru e México, preservando de certo modo o seu património cultural.

As visões de Cayce, embora em parte com subjectividade e com pontos obscuros, permitiram distinguir dois elementos essenciais. Em primeiro lugar a Atlântida por ele descrita como situada entre o golfo do México e o estreito de Gibraltar apresenta semelhanças notáveis com os Estados Unidos do último quartel do século XX. Cayce acrescentou ainda que foram os cientistas e os técnicos da Atlântida que provocaram a sua própria destruição pelo uso indevido dos perigosos conhecimentos que haviam alcançado. é possível que a visão de Cayce fosse, na realidade, um premunição – que a sua visão se apresentasse o passado remoto, mas o futuro imediato da América industrializada. A sua mensagem parece ser uma esclarecida advertência à sociedade moderna. As ideias de Cayce são positivamente moderadas quando comparadas com certas teorias. Alguns entusiastas situam a Atlântida no domínio da teoria cientifica, transformando os antigos marinheiros da ilha em seres extraterrestres e equipando-os com naves espaciais, pistolas laser e raios cósmicos.

Os quiméricos pesquisadores da Atlântida já descobriram o continente perdido numa imensa variedade de locais, tais corno os Andes, o Tibete, a Austrália, o Caucaso, a América do Sul, a bacia do Amazonas, Spitzberg, a Líbia, o Pais Basco, a índia, Marrocos, o deserto do Gobi, o Egipto, o México, Ceilão, a China, a Tunísia, a Suécia, nos Açores , no Saara, na Sibéria, o mar do Norte e o oceano Pacifico. Não é, pois, surpreendente que, fazer a ideias de tal futilidade, os cientistas tenham tendência para encarar qualquer mérito à Atlântica com um céptismo que em 1958, uma observação levada a cabo nas Baamas conduziu a uma nova descoberta que iria fornecer material aos fantasistas da Atlântida, com novos acontecimentos para os verdadeiros investigadores. O Dr. J. Manson Valentine, zoólogo americano e mergulhador experimentado, notou algumas estranhas estruturas no leito do oceano, cujo traçado geométrico só era claramente visível do ar – polígonos regularas, círculos, triângulos, rectângulos e linhas rectas que se prolongavam por muitos quilómetros.

Em 1968, o Dr. Valentine descobriu ao largo da pequena ilha de Bimini do Norte uma enorme «muralha» submersa com várias centenas de metros de comprimento. A muralha apresentava duas ramificações perfeitamente rectas e perpendiculares. Eram formadas por blocos de pedra quadrados com mais 4,5 m de lado. Ao prosseguir a sua exploração, revelou-se-lhe uma estrutura muito mais complexa, que com os seus cais e o seu molhe duplo se assemelhava a um porto submerso. O francês Dimitri Rebikoff, engenheiro e mergulhador experimentado, dirigiu-se ao local. Pioneiro da fotografia submarina e inventor do torpedo Pegasus, Rebikoff procedeu ao levantamento completo da zona utilizando os processos mais modernos. Rapidamente as águas azuis e límpidas das Baamas encheram-se de mergulhadores e, com igual rapidez, teve inicio a controvérsia em relação às muralhas. Alguns observadores afirmavam que estas eram sem sombra de duvida de origem natural. Com igual segurança se pretendia que elas faziam parte de uma estação arqueológica sem precedentes, cujas enormes estruturas construídas pelo homem revelavam a existência de uma civilização avançada numa antiguidade remota. Mas quem talhara estas enormes pedras ? Os peritos foram extremamente cautelosos na identificação dos seus construtores. A hipótese de serem povos pré-colombianos – os Olmecas e os Maias – foi abandonada. Pensou-se também nos arquitectos de Tiahuanaco.

Apontaram-se semelhanças com Stonchenge e os misteriosos desenhos traçados nas areias do deserto de Nazca. Estas teorias, por si só ultrapassaram as conjecturas. As descobertas do Dr. Valentine provocaram novas ondas de especulação. Mais uma vez se sugeriu a existência de seres extraterrestres. Realçou-se que Bimini do Norte se encontra no Triangulo das Bermudas, zona oceânica famosa pelos seus mistérios. E, fatalmente, tornou a falar-se da Atlântida.

A geologia da zona indicava que a inundação da plataforma das Baamas fora causada pela fusão dos glaciares do pólo, provocando a elevação do nível das águas dos oceanos. Este facto levaria a atribuir as ruínas de Bimini do Norte a data provável de 8000 a 7000 a. C. e anularia todas as teorias actuais relativas ao povoamento das América e a origem das suas civilizações.

As dúvidas originadas pelas descobertas em Bimini do Norte foram posteriormente relegadas para segundo plano devido a uma dessas estranhas coincidências que surgem infalivelmente sempre que é abordado o enigma da Atlântida. Segundo constou, Edgar Cayce previra todos estes acontecimentos ao afirmar que a Atlântida ressurgiria das águas de Bimini do Norte, facto que viria a verificar-se em 1968 ou 1969. Os grandes templos da Atlântida, dissera, seriam encontrados «sob o sedimento dos séculos e sob as ondas do mare.

Os cientistas idóneos que procuravam uma explicação racional para estas descobertas reagiram de forma característica, e compreensível, a esta intervenção póstuma do vidente americano (falecido em 1945). Assim, rejeitaram toda e qualquer teoria relacionada com a Atlântida de Platão. Se, na verdade, as ruínas haviam sido submergidas como resultado do lento degelo dos glaciares, onde estava a catástrofe súbita e de enormes proporções, que tragara o continente. As opiniões acerca de Bimini do Norte mantém-se inconcludentes.

O consenso geral inclina-se para que as estruturas sejam «provavelmente artificiais» e datam de um período bastante antigo». Mas na busca da Atlântida poderia rejeitar-se, assim tão simplesmente, a hipótese Bimini? E se Platão ou Sólon se tivessem equivocado quanto à situação da ilha e se Sólon tivesse interpretado erradamente as informações dos sacerdotes egípcios? Estes haviam utilizado a expressão «o verdadeiro mar», o que não significaria necessariamente o Atlântico. De igual modo, os Gregos podiam ter sido induzidos em erro ao supor que os «estreitos» mencionados fossem as Colunas de Hércules, dado que existem outros estreitos mais próximo do delta do Nilo. Além disso, embora se admite que os Egípcios tivessem realizado longas viagens em jangadas de papiro, não eram propriamente um povo de navegadores e os seus conhecimentos dos oceanos foram em grande parte adquiridos através de outros povos, como os Fenícios e os Cretenses, que se dedicavam ao comercio marítimo.

O cepticismo que a situação geográfica atribuída à Atlântida pelos Egípcios inspirou levaria a considerar Bimini do Norte como uma localização possível para a ilha e, simultaneamente, a seguir uma outra linha de pensamento. E provável que os Egípcios, pouco conhecedores dos mares, situassem um continente vasto e misterioso como a Atlântida num oceano distante, é improvável que admitissem que esta se encontrava muito mais próximo – no mar Egeu. Privados de qualquer informação concreta em que se pudessem basear, teriam os Egípcios pensado que a Atlântida se situava a milhares de quilómetros para além dos seus horizontes ?

A erupção vulcânica de grande amplitude ocorrida na ilha de Kallisté corresponde sem dúvida à catástrofe descrita por Platão. Existem, além disso, provas concludentes de que, antes da tragédia, florescia no Mediterrâneo Oriental uma civilização avançada e decadente.

Em 1967, o eminente arqueólogo grego Spyridon Marinatos iniciou escavações na ilha de Kalliste, nas ruínas de uma antiga cidade soterrada sob a cinza, local que veio a ser designado por Pompeia do mar Egeu. Esta ilha, actualmente conhecida por Santorino ou Tera, é a mais meridional das ilhas Cíclades. Dois anos antes, os cientistas americanos Dragoslav Ninkovich e B. C. Heezen haviam reconstituído com rigor notável o cataclismo ocorrido em Santorino há 3500 anos, tendo-o então comparado com uma erupção mais recente, em Agosto de 1883 – a de krakatoa, no estreito de Sonda, entre Java e Samatra.

A sequência dos acontecimentos nesta expulsão encontra-se documentada e segue um esquema quase idêntico ao de Santorino. A erupção de krakatoa foi ouvida a cerca de 4800 km de distância. As cinzas ergueram-se a 80 km de altura e, ao caírem, cobriram uma área de 780 km2. A diferença fundamental é que as forças libertadas em Santorino superaram quatro vezes a intensidade das de Krakatoa. É possível obter uma imagem mais exacta. das proporções desta destruição considerando que as vagas sísmicas de Santorino atingiram uma altura de cerca de 200 m, enquanto as de Krakatoa, apenas com 35 m, causaram a morte de cerca de 36 000 mil pessoas.

Em Santorino, a inexistência de quaisquer vestígios humanos além de alguns ossos e dentes calcinados permite pensar que os habitantes tiveram tempo para fugir antes da explosão da ilha – tal como, segundo Plínio, aconteceu a grande parte dos habitantes de Pompeia. E no entanto duvidoso que alguém tenha sobrevivido aos efeitos devastadores da erupção. A morte que os surpreendeu deve ter sido partidariamente horrorosa. Atingidos nos seus barcos superlotados por pedaços flutuantes de pedra-pomes, devem ter sido queimados vivos pela chuva de rochas e cinzas incandescentes e por fim tragados pelas vagas gigantescas.

Não é possível afirmar por quanto tempo se arrastou a destruição – dias ou semanas. Sabe-se, porém, que os efeitos se fizeram sentir por toda a zona leste da bacia do Mediterrâneo. As cinzas, levadas para sudeste pelos ventos de Verão, afastaram-se 700 km do vulcão, depositando-se numa área superior a 300 000 km. Entre 1945 e 1965 procedeu-se à colheita de amostras de sedimentos no leito do mar Mediterrâneo, sendo então possível determinar a dispersão atingida pelas cinzas. Os oceanografos descobriram uma camada de pedra de Santorino com 2 m de espessura, a 140 km do vulcão e a uma profundidade de 3000 m.

As cinzas alcançaram as costas da Ásia Menor, da Palestina e do Egipto. O delta do Nilo foi gravemente atingido. Alguns cientistas aventaram mesma a hipótese de que certos episódios bíblicos se teriam inspirado inteiramente nos efeitos da erupção de Santorino. As Dez Pragas do Egipto podariam estar relacionadas com a queda das cinzas, e a separação das águas do mar Vermelho, que permitiu aos Hebreus fugir do faraó, estaria provavelmente relacionada com as vagas sísmicas. O mar teria recuado antes da chegada dos tsunamis, os quais seriam suficientemente poderosos para arrasar um exército.

A cratera vulcânica de Santorino é uma das mais extraordinárias paisagens naturais do Mediterrâneo. No centro, onda anteriormente se cingiu o vulcão, existem dois blocos de lava negra, denominados Palea Kameni e Nea Kameni, o que significa A Valha Ilha Queimada e A Nova llha Queimada. Embora destas ilhas tenham surgido muito depois do cataclismo, delas erguem-se por vezes penachos de fumo, derradeiros vestígios de actividade vulcânica naquela zona. A paisagem assemelhasse à superfície da Lua, calcinada, esburacada, escarpada e sinistra. Santorino e as ilhas próximas, Thensia e Aspronisi, são tudo o que resta da ilha outrora fértil que deveria ter sido a Atlântida.

Embora hoje em dia a zona do mar Egeu não apresente praticamente actividade vulcânica, está ainda sujeita a frequentes tremores de terra. No dia 9 de Julho de 1956, as 5 h. da manha, Santorino sofreu nova tragédia. O abalo de terra atingiu 7-8 na escala de Richtcr, seguindo-se-lhe vagas sísmicas de mais de 24 m de altura, provocando mais de 50 mortos, 200 feridos e 2400 casas destruídas. Actualmente são ainda visíveis vestígios desta calamidade, sobretudo na sombria e estranha cidade de Ios.

O aspecto decadente de Ios contrasta violentamente com o ambiente de Akrotiri, no outro extremo da ilha. Em Akrotiri, de momento a mais famosa zona de escavações da Grécia, mantém-se vivo o espirito explorador. Situa-se numa pequena ravina onde a camada de pedra, relativamente pouco espessa (cerca de 9 m), tornou possível as escavações. Comparada com Pompeia, Akrotiri, estação arqueológica da Idade do Bronze, não é espectacular; porém, a lenda da Atlântida é uma poderosa atracção, e todos os anos milhares de visitantes sobem os 587 degraus da Escadaria de Phira para observar as escavações.

No Outono ou no Inverno, em dias de boa visibilidade, é possível avistai a ilha de Creta, 110 km a sul de Akrotiri. Os principais efeitos do cataclismo de Santorino não pouparam Creta. As vagas sísmicas atingiram a ilha meia hora após a sua formação em Santorino. Dependendo a velocidade a que se deslocam estas vagas da profundidade do mar e sabendo que entre as duas ilhas a profundidade media e de cerca de 1000 m, é possível concluir que os tsunamis atingiram uma velocidade de 355 km/h.

Estas enormes muralhas de égua, que ao atingirem Creta se erguiam a cerca de 90 m de altura, fustigaram o litoral norte, densamente povoado, arrasando grandes portos como Amnisos, que servia Cnossos, a capital, destruindo cidades e palácios e fazendo inúmeras vitimas. Toda a zona leste da ilha ficou soterrada sob uma densa camada de cinzas que destruiu as colheitas e contaminou o solo durante anos.

Cnossos, situada no interior, não foi afectada; porém, os outros centros culturais da zona leste foram abandonados, verificando-se uma grande migração para o oeste da ilha, menos atingido pelas vagas. No entanto, a economia cretense fora tão brutal e repentinamente destroçada que jamais se recomporia. A idade de ouro da civilização minóica atingia o seu termo, aniquilada num só dia pelas forças libertadas cm Santorino.

Os Egípcios tiveram certamente conhecimento destes factos que, para além de tudo, se relacionavam com calamidades seu próprio pais. Tinham decerto conhecimento de que o mar tragara uma pequena ilha e que Creta, a grande; ilha que tão bem conheciam, tinha sido devastada. Os Cretenses, a quem os Egípcios chamavam Keftiou, mantinham há anos relações comerciais com o Egipto. Os Egípcios teriam concluído que os Cretenses haviam desaparecido repentinamente, pois os seus barcos não voltaram a demandar os portos do Nilo. Assim, para os Egípcios aquela ilha rica e fértil a nordeste deixara de existir, e a lembrança da sua extinção estava associada á memória da grande catástrofe que abalara a zona leste do Mediterrâneo. Nascera a lenda da Atlântida.

E a cultura da civilização utópica que é o fulcro do mito da Atlântida. Nesse aspecto verifica-se uma semelhança notável entre a descrição da Atlântida deixada por Platão e a sociedade minóica antiga descoberta em Cnossos, na ilha de Creta, na primeira década de 1900, pelo arqueólogo inglês Sir Arthur Evans. Anteriormente à destruição pela catástrofe de Santorino, Creta fora um próspero império insular, possivelmente a principal potência do Mediterrâneo, e o cenário onde florescera a primeira e a mais original forma de civilização requintada do Ocidente. Os barcos de Creta escalavam todos os portos do Mediterrâneo. Os Cretenses eram navegadores destemidos, comerciantes sagazes e construtores e urbanistas altamente competentes.

Actualmente os Cretenses são mais conhecidos pela espectacular prática de saltar sobre os touros, um desporto ou, possivelmente, um culto. As cidades possuíram banhos, sistema de esgotos e outros meios que lhes asseguravam o conforto material. A ilha, extensa, montanhosa e fértil, mas sujeita a tremores de terra, constituía, no mundo antigo, uma espécie de encruzilhada indiscutivelmente próspera. De súbito, após 500 anos, esta notável potência marítima, no auge da sua gloria, cai misteriosamente no esquecimento.

As suas semelhanças com a Atlântida de Platão são de facto evidentes; no entanto, seria impossível que Platão ou Sólon as reconhecessem, pois a antiga civilização minóica era desconhecida na Grécia da Antiguidade Clássica. Homero apenas faz referência a uma civilização muito mais tardia em Creta: no meio do oceano cor de vinho existe Creta, um pais belo e fértil rodeado pelo mar. Nele vivem inúmeros homens e existem 90 cidades; uma língua mistura-se com outras ...» De qualquer modo, esta descrição contem algo da Atlântida.

Há apenas 100 anos os principais centros da civilização minóica, Cnossos, Festos e Hagia Triada, não eram conhecidos. Os Minóicos estavam esquecidos, como no tempo de Platão. Quando Evans fez as suas notáveis descobertas, ninguém admitiu, a principio, as semelhanças entre esta cultura redescoberta e a Atlântida, exceptuando um certo K. T.. Frost, que em 19 de Fevereiro de l909 publicou as suas teorias num artigo em The Times de Londres. A hipótese minóica não voltou provavelmente a ser referida até 1939, ano em que na revista Antiquity surge um artigo assinado por Spyridon Marinatos. As descobertas efectuadas durante as escavações do porto de Amnisos alertaram Marinatos para a possibilidade de a destruição da civilização minóica estar ligada a erupção de Santorino. No entanto, foi apenas em 1967, aquando das suas descobertas em Santorino, que esta teoria se consolidou.

As duas imagens – a da esplendorosa cultura cretense que floresceu e subitamente se extinguiu, e que hoje sabemos ter existido, e a da Atlântida, o lendário continente perdido – pareceram então ajustar-se: Kaliste, a Atlântida da fábula, era apenas um posto avançado da brilhante civilização cretense. Verificam-se ainda certas discrepância de pormenor que podem perfeitamente atribuir-se á liberdade poética utilizada por Platão. A grande capital circular da Atlântida não terá nunca existido, e a sua menção pelo filósofo deve-se ao facto de que o circulo é um símbolo da perfeição.

Subsiste, no entanto, o confuso problema da datação, é possível que, ao atribuir à Atlântida uma existência de 9000 anos antes, Platão tivesse cometido um erro ao multiplicar as datas por dez. Admitindo esta hipótese, Platão teria querido dizer 900 anos, o que já faria sentido: 900 anos antes da viagem de Sólon ao Egipto situariam a destruição da Atlântida no ano 1500 a. C. aproximadamente. Desconhecem-se, além disso, outras culturas avançadas que tenham florescido em 12 000 a. C. Será então possível desmistificar a Atlântida e considera-la um problema histórico para o qual se encontrou solução?

De certo modo, o mito da Atlântida não pode morrer, pois está contido em mitologias de outros países. Na índia, designadamente os poemas épicos Maaharata e Ramaiana incluem as suas versões da Atlântida. Também o Egipto possui o seu continente perdido expresso na lenda da ilha do Condenado ou do Dcagio, lenda que data do Império Médio.

Por outro lado, mesmo as impressionantes provas cientificas em que a teoria de Santorino se apoia tem sido contestadas, assistindo-se actualmente a elaboração de uma outra teoria que localiza a Atlântida na ilha de Heligolândia, no mar do Norte.

Para concluir, poderá acrescentar-se que. presentemente é a teoria de Santorino e dos Açores aquelas que reúnem mais probabilidades de constituir a solução para o enigma da Atlântida, não estando, contudo, inteiramente provadas nem uma nem a outra. A Atlântida perpermanece assim como desde sempre – um dos mais duráveis mistérios da Terra.

Reserva de Ouro Portuguesa

Depois da Gloriosa Revolução entregaram 95% do território. Nos últimos 15 anos entregaram uns 80% do sector público, que havia sido quase totalmente roubado aos particulares em 75-76. Já conseguiram arrazar com a marinha mercante e com a frota pesqueira, mais com a agricultura e quase todo o sector mineiro.

Mas o ouro continua quase intacto, não contando com a proeza do sábio Cavaco que foi depositar uma parte num banco americano que faliu, perdendo-se quase todo o ouro aí depositado.

Portugal tem a décima maior reserva de ouro do mundo

Banco de Portugal vendeu 15 toneladas de ouro
O Banco de Portugal anunciou terça-feira ter vendido no final do ano de 2002 15 toneladas de ouro por forma a diversificar a composição das suas reservas externas.

A venda surge, segundo Vítor Constâncio", na sequência de um planeamento de médio prazo, visando a alteração da composição das reservas externas do Banco de Portugal, pelo que não se encontram associadas à actual conjuntura financeira". A decisão, acrescenta o comunicado do banco central, decorre da intenção de reduzir o peso do ouro nas reservas externas do País.

Nem a alienação de 15 toneladas de ouro do Banco de Portugal alteraram a posição do país no “ranking” das maiores reservas de ouro do mundo. Portugal continua em décimo lugar na tabela divulgada pelo Conselho Mundial do Ouro.

Vítor Constâncio anunciou terça-feira que, em Dezembro, foram alienadas 15 toneladas de ouro.

De acordo com o Conselho Mundial do Ouro, a redução deste montante ao total de 606,8 toneladas existentes em Novembro de 2002 não altera em nada a posição de Portugal na lista. O décimo primeiro lugar é ocupado pela Espanha, que tem apenas 523,4 toneladas de ouro nos seus cofres.

Os EUA são o país com a maior reserva de ouro, que ascende às 8.149 toneladas. Em segundo lugar encontra-se a Alemanha com 3.445,8 toneladas de ouro. Se se considerarem apenas as reservas existentes em países, ou seja se se excluir o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Central Europeu (BCE), Portugal passa a ocupar a oitava posição do “ranking”.

Acordo de Washington
A alienação levada a cabo pelo Banco de Portugal decorreu no âmbito do Acordo dos Bancos Centrais sobre o Ouro, mais conhecido como Acordo de Washington. Este documento foi assinado em Setembro de 1999 pelo Banco Central Europeu e outros 14 bancos centrais nacionais. Portugal, Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, País Baixos, Reino Unido, Suécia e Suíça foram os países signatários.

O acordo é válido até Setembro de 2004, após o que será sujeito a uma nova reapreciação.

Estes 14 bancos centrais detinham na altura 15.998 toneladas de ouro, o que corresponde a 50 por cento das reservas mundiais de ouro.

O acordo estabelecido tinha por objectivo controlar as vendas de ouro durante os cinco anos seguintes à sua entrada em vigor. A queda do preço do metal, ocorrida em meados da década de 90, levou a que fosse necessário criar este acordo e assim sustentar o preço deste metal precioso.

Na altura em que se chegou a este acordo, o Conselho Mundial do Ouro emitiu um comunicado em que defendia que o conteúdo do documento alterava radicalmente o mercado do ouro. Na sua opinião, o acordo correspondia a uma retirada efectiva do mercado de 26 mil toneladas de ouro, correspondentes às 28 mil toneladas detidas pelas partes abrangidas pelo acordo.

A decisão dos bancos centrais nacionais envolvidos no acordo foi reforçada com os anúncios feitos pelos governos dos EUA e do Japão de que também não venderiam o seu ouro.

O Ouro Nazi

No dia 1 de Setembro de 1939, o governo português emitiu uma declaração sob o título "A Neutralidade Portuguesa no Conflito Europeu", publicada na imprensa diária do dia seguinte. Aquela declaração reafirmava a aliança com a Grã-Bretanha, acrescentando que, felizmente, as obrigações daí decorrentes não exigiam a participação de Portugal na guerra (1). Esta perspectiva era comum a ambos os países, tal como se pode ler no "aide-mémoire" britânico a 5 de Setembro:

O Governo de Sua Majestade no Reino Unido agradece a prova dada pelo Governo Português no dia 1 de Setembro e concorda que a adopção de uma posição de neutralidade por Portugal seria da maior utilidade para o interesse mútuo quer de Portugal quer da Grã-Bretanha, em face da presente crise. Concorda também com a decisão do Governo Português de evitar fazer qualquer declaração de neutralidade.

Os anos que se seguiram puseram à prova este acordo entre as duas potências, não tendo porém alterado a sua essência. Em cada uma das fases do conflito internacional, os Aliados apresentaram a Portugal exigências diversas, como por exemplo no caso dos Açores em que inicialmente, a neutralidade era suficiente. Porém, em Maio de 1943, a premente necessidade de tornar aquelas ilhas uma parte integrante do esforço de guerra dos Aliados levou Churchill a considerar muito seriamente a possibilidade de as tomar pela força, se necessário (3). O caso do volfrâmio teve uma evolução semelhante. Em Outubro de 1943, Churchill comunicou ao Embaixador português em Londres que "achava muito bem" a continuação da venda deste mineral por parte de Portugal aos alemães, "para os ter quietos". No entanto, já em Março de 1944, escrevia a Salazar, solicitando-lhe que cessasse essas exportações, que estavam a contribuir para matar soldados britânicos (4). (De facto, o governo britânico invocou formalmente a Aliança a respeito desta questão no dia 29 de Maio de 1944, tendo as autoridades portuguesas decretado um embargo à exportação de volfrâmio para a Alemanha, que entrou em vigor no dia 7 de Junho daquele ano ) (5).

À medida que prosseguiam os esforços de guerra, a natureza dos pedidos cada vez mais exigentes feitos a Portugal pelos Aliados tinha um paralelo nas pressões igualmente fortes oriundas do Eixo, uma situação que tornou a gestão da neutralidade do País por parte das autoridades portuguesas uma questão altamente complexa (6). Contudo, e apesar de divergências ocasionais e de alguns momentos de tensão, a verdade é que nem Portugal tinha qualquer opção em alternativa à Aliança Luso-Britânica, nem a Grã-Bretanha jamais chegou a solicitar aos seus "mais velhos aliados" a participação directa na guerra. Pelo contrário, estes insistiram sempre que a neutralidade de Portugal era a posição mais conveniente para os interesses dos dois países (7). Esta neutralidade tinha porém como seu anverso o facto controverso e desagradável, mas inevitável, de que Portugal teria de continuar a comerciar também com a Alemanha.

A Acumulação de Ouro: A Regra e a Excepção
Inevitavelmente, as condições durante a guerra alteraram as atitudes preexistentes no que respeita a transacções comerciais, em particular por parte das forças beligerantes. Sob o impulso do forte nacionalismo económico do período entre as duas guerras, estes países tinham procurado, antes de 1939, exportar o máximo e importar o mínimo possíveis. Agora, procuravam precisamente o oposto - importar o mais possível dos países neutrais e exportar para aí o menos que pudessem (8). No caso de Portugal, isso teve como consequência uma acumulação inusitada de excedentes na balança comercial, acrescidos das remessas de emigrantes e outros fluxos de capitais (9). Em termos globais, a existência destes saldos positivos na balança de pagamentos levou a uma entrada considerável de moeda estrangeira e, por fim, a uma acumulação significativa de reservas de ouro. A acumulação de ouro era, à época, a forma principal de os bancos centrais deterem as suas reservas, um processo que decorria em geral desde 1931 (10).

A única divisa para a qual existia uma excepção era a libra esterlina, graças ao acordo de pagamentos celebrado entre os dois países em 20 de Novembro de 1940, o qual constituiria a expressão financeira, durante a guerra, da Aliança Luso-Britânica (11). Na prática e de acordo com este instrumento, os britânicos usufruiriam de crédito na prática ilimitado relativamente às suas aquisições em Portugal durante a guerra. Como resultado, enquanto se permitia que um elevado montante em libras esterlinas fosse acumulado em contas especiais sem necessidade de qualquer conversão para outros meios de pagamento, todas as restantes divisas eram convertidas pelas autoridades portuguesas em ouro. Assim, entre 1939 e 1945, as reservas em ouro do Banco de Portugal, que no início do período ascendiam a 65 toneladas, aumentaram 306 toneladas, ou, se for incluído o ouro na posse do Estado, 310 toneladas. Em termos de aquisições brutas no mercado internacional, que atingiram um valor global de 348 toneladas, o principal fornecedor do País foram os Estados Unidos (através do Federal Reserve Bank of New York), com 167 toneladas (48%), seguidos pela Suíça (através do Banco Nacional da Suíça), com 104 toneladas (30%), e, em terceiro lugar, a Alemanha (através do Reichsbank), com cerca de 49 toneladas (14%) (12).

Estes valores poderão ser comparados com a dívida da Inglaterra de 76 milhões de libras esterlinas acumulada a favor de Portugal até 8 de Agosto de 1945 e que, caso tivesse sido convertida em ouro nessa altura, teriam aumentado as reservas do Banco de Portugal em mais 270 toneladas. A verificar-se esta hipótese, a Grã-Bretanha ter-se-ia tornado de longe o maior fornecedor individual deste metal (13). Nesta perspectiva, as transacções em ouro entre o banco central português e o Reichsbank surgem claramente como uma componente de menor relevo nas transacções globais em ouro do Banco de Portugal, embora naturalmente bastantes importantes, se tomarmos em consideração as suas implicações para o panorama mais vasto das relações comerciais entre Portugal e a Alemanha e para a neutralidade portuguesa durante a guerra.

Os Bancos Centrais da Alemanha e de Portugal
As relações entre os bancos centrais de Portugal e da Alemanha durante o período em estudo foram moldadas essencialmente por três séries de acontecimentos. O primeiro foi o acordo de compensação assinado entre eles em 1935. O segundo foi o grande aumento nas transacções comerciais entre os dois países a partir de 1942, com especial referência para o acordo do volfrâmio, do mesmo ano. O terceiro acontecimento foi a visita de Hans Treue a Lisboa, em Maio de 1942, de que resultou o início das transacções em ouro por intermédio da conta do Banco de Portugal em Berna.

O Acordo de Clearing de 1935
Este acordo de clearing foi assinado entre os dois países a 15 de Abril de 1935, tendo em vista o estabelecimento de uma forma satisfatória de regularização do saldo das transacções comerciais entre os dois países. Este foi um dos muitos acordos que surgiram no decorrer dos anos 30 com vista a permitir à Alemanha equilibrar o seu comércio externo numa base bilateral e, assim, gerir os seus recursos cambiais da melhor forma possível (14). A principal cláusula deste acordo estipulava que os importadores alemães de mercadorias portuguesas deveriam liquidar o seu valor, depositando a importância correspondente, em marcos, numa conta especial do Banco de Portugal na Deutsche Verrechnungskasse (Câmara de Compensação Alemã). Esta importância só poderia ser utilizada para saldar mercadorias adquiridas na Alemanha por importadores portugueses (15).

O acordo de compensação de 1935 permaneceu em vigor durante a guerra, embora não cobrisse o total das transacções comerciais entre os dois países. Por exemplo, algumas importações alemãs oriundas de Portugal, em 1941 e 1942, foram liquidadas em francos suíços, que, juntamente com os francos suíços adquiridos pelo Banco de Portugal como resultado de transacções efectuadas com a Suíça, deram origem a fluxos de ouro entre o Banco Nacional da Suíça e o banco central português (16). Foi, no entanto, durante o ano de 1942 que a utilização de francos suíços com o objectivo de facilitar o comércio externo alemão começou a ser sujeita a restrições tanto pelos portugueses, como pelos suíços. Entretanto, o aumento das transacções comerciais entre Portugal e a Alemanha era cada vez mais significativo e, além do mais, os excedentes a favor de Portugal acumulavam-se de tal forma, que seria em breve necessário um novo acordo.

Dos Excedentes Comerciais às Transacções em Ouro
No início de 1942, o acordo do volfrâmio assinado entre Portugal e a Alemanha tornou o antigo sistema de compensação entre os dois países inadequado para fazer face aos crescentes desequilíbrios comerciais que começavam a verificar-se (17). Era agora estipulado que, em troca das suas exportações de volfrâmio, Portugal receberia ferro semi-elaborado, carruagens, sulfato de amónio, tambores de ferro, papel de jornal e equipamento mineiro. O valor total destes bens deveria corresponder a pelo menos 60 por cento, e, se possível, 70 por cento do volfrâmio enviado para a Alemanha, o que significava uma oscilação do excedente a favor de Portugal de entre 30 e 40 por cento do valor de importação daquele mineral. No entanto, já em Maio do mesmo ano, os alemães esperavam um défice comercial ainda maior, não só como resultado do acordo do volfrâmio, mas também devido à sua confessada incapacidade para fornecer bens suficientes para equilibrar as aquisições em Portugal de folha-de-flandres e sardinhas de conserva (18).

Para fazer face a este problema, teve lugar uma ronda de negociações, em Maio de 1942, durante as quais Otto Eckert, o conselheiro da Legação Alemã em Lisboa, solicitou ao Banco de Portugal uma linha de crédito de 80 000 contos, argumentando, em determinado ponto, que "segundo certas informações, tinha havido uma concessão de crédito aos britânicos de importâncias muito mais elevadas". O secretário-geral do Banco de Portugal respondeu que o limite para este tipo de créditos já havia sido atingido e que o Banco não estava disposto a deter quantias avultadas em marcos ou a aceitar pagamentos em obrigações do Tesouro alemão. No que respeita à possibilidade avançada por Eckert de obtenção de crédito através dos bancos comerciais locais, foi-lhe dito que o mercado português era demasiado pequeno para uma quantia tão elevada e que, de qualquer forma, o momento não era o mais oportuno para os bancos se envolverem em tamanhas imobilizações de capital (19).

A questão do défice comercial da Alemanha foi novamente discutida pouco depois, desta vez por Hans Treue, o membro do Conselho de Administração do Reichsbank responsável pela Deutsche Verrechnungskasse (Câmara de Compensação Alemã) e por Álvaro de Sousa, vice-governador do Banco de Portugal. Segundo o acordo a que estes chegaram, o excedente de Portugal seria regularizado em ouro, a ser disponibilizado na Suíça. A sugestão inicial de Hans Treue para que o ouro fosse disponibilizado em Berlim, onde seria detido num depósito do Reichsbank, foi rejeitada de imediato por Álvaro de Sousa. Foi-lhe dito claramente que o Banco de Portugal não queria deter ouro em qualquer país beligerante na Europa (20).

Os pormenores foram acordados numa segunda reunião. O lado português propôs a taxa de câmbio e o preço do ouro à taxa de compra de Lisboa, acordando-se que o ouro fosse colocado em Berna, numa conta do Banco de Portugal junto do Banco Nacional da Suíça. O transporte posterior do ouro seria da iniciativa do Banco de Portugal, sendo os seus custos, no entanto, suportados pelo Reichsbank (21). De certa forma, esta não era uma situação totalmente nova, visto que, aproximadamente um ano antes, em Julho de 1941, aquando de uma indagação sobre o assunto efectuada por este último banco em nome do Reichsbank, o Banco de Portugal tinha informado o Banco Nacional da Suíça sobre as condições mediante as quais estaria disposto a efectuar a compra de ouro da Alemanha. As autoridades monetárias portuguesas estavam preparadas para efectuar este tipo de aquisições nos mesmos termos em que já tinham comprado ouro suíço, ou seja: "…estamos dispostos a comprar barras de ouro fino, directamente na vossa sede em Berna, ao nosso preço de compra em Lisboa; os custos decorrentes de uma eventual exportação das referidas barras serão suportados pelo Reichsbank". Caso se verificasse uma tal transacção, o ouro deveria ser depositado numa conta C, em nome do Banco de Portugal, junto do Banco Nacional da Suíça (22). Deste modo, a experiência anterior na aquisição de ouro do banco central da Suíça, e o conhecimento prévio por parte dos suíços e dos alemães das condições impostas pelos portugueses para tais transacções, sem aceitar remessas directas de Berlim, contribuiu para a solução do problema de regularizar o défice comercial alemão em ouro.

A Recusa de Remessas de Ouro de Berlim
Apenas podemos especular sobre os motivos exactos que levaram o Banco de Portugal a insistir neste método de regularização do défice comercial alemão através do Banco Nacional da Suíça, uma vez que as fontes disponíveis não se pronunciam sobre o tema, e, tanto quanto se sabe, nenhum dos participantes nesta decisão deixou qualquer registo que possa ajudar a esclarecer. Uma coisa é certa, porém: o Banco de Portugal atribuía uma grande importância a este procedimento (23). As fontes históricas suíças mostram também que a causa principal para a recusa portuguesa em aceitar ouro directamente do Reichsbank se prendia com a pressão exercida pelas autoridades britânicas, que, já em 1941, pretendiam limitar as transacções em ouro da Alemanha, como parte do seu esforço generalizado de bloqueio contra este país (24). O que não deixa dúvidas é o estreito relacionamento e entendimento, quer em termos pessoais quer institucionais, entre o Banco de Inglaterra e o Banco de Portugal, facto que terá facilitado em larga medida a transmissão de recomendações e de pressões de Londres para Lisboa por meios informais (25).

A visita a Portugal de Victor Gautier, do Banco Nacional da Suíça, em Outubro de 1942, fornece pistas valiosas em relação a este assunto. Depois de se ter encontrado com o secretário-geral do Banco de Portugal, Albino Cabral Pessoa, Gautier escreveu no seu relatório que este lhe tinha confirmado a recusa total do Banco em adquirir ouro directamente do Reichsbank, por razões políticas e jurídicas. Estas objecções deixariam de existir a partir do momento em que o ouro passasse pelo Banco Nacional da Suíça (26). Os comentários de Gautier têm sido interpretados de várias formas por diferentes autores, desconhecedores da cronologia exacta da criação da conta C em Berna (27). Como a conta C já existia antes da visita de Gautier a Lisboa, as suas observações não são contraditórias com a utilização desta conta como parte da recusa portuguesa em aceitar remessas de ouro de Berlim (28).

As Transacções
Neste ponto dar-se-á conta dos detalhes práticos das transacções em ouro entre a Alemanha e Portugal e que surgiam sempre que o Banco de Portugal havia acumulado uma determinada importância em marcos (ou quando o Reichsbank precisava de escudos) e necessitava de os trocar por ouro, tal como havia sido acordado. Após ter sido informado do facto, o Reichsbank escrevia então para Lisboa para comunicar que tinha dado instruções ao Banco Nacional da Suíça para depositar a quantia necessária de ouro, em barras "internacionalmente negociáveis", na conta C do Banco de Portugal, em Berna. Isto seria, por seu lado, confirmado pelo Banco Nacional da Suíça, primeiro telegraficamente e depois por carta (29).

As instruções que o Reichsbank dava ao banco suíço eram geralmente em números redondos - por exemplo, 500 Kg ou 1000 Kg - e uma vez que as barras em questão geralmente tinham pesos irregulares e diferentes de umas para outras, tornava-se necessária uma regularização periódica das contas. Toda a correspondência entre os alemães e os portugueses passava pela legação Alemã em Lisboa, sendo toda a correspondência com os suíços efectuada aparentemente através de correio normal, enquanto que os telegramas, em código, eram enviados através da Marconi (30).

A primeira aquisição para a conta C é referida numa carta de Berna, datada de 22 de Agosto de 1942, tendo sido contabilizada pelo Banco de Portugal a 11 de Setembro de 1942. A última destas transacções foi comunicada por telegrama para Lisboa a 25 de Julho de 1944, tendo sido contabilizada pelo Banco a 27 de Julho. Como já foi referido, o objectivo das autoridades portuguesas era manter a maior parte ou todo este ouro em Lisboa, tendo assim sido tomadas as providências requeridas para o enviar para Lisboa. O primeiro carregamento por terra saiu de Berna no dia 29 de Outubro de 1942, tendo a sua chegada sido registada a 3 de Novembro seguinte. A partida do último carregamento teve lugar a 18 de Fevereiro de 1944, tendo chegado a Lisboa no dia 24 do mesmo mês.

O ouro adquirido na Suíça pelo banco central português era transportado por camiões de carga suíços ou franceses, geralmente deixando Berna à segunda-feira, via Annemasse, Canfranc, Madrid e Badajoz. Uma vez chegado à fronteira, o carregamento era transferido para um camião português, visto não ser permitida a entrada no país a veículos comerciais estrangeiros. A chegada a Lisboa ocorria geralmente à sexta-feira à tarde, ou ao sábado, havendo atrasos. Se considerarmos os carregamentos oriundos de todas as contas do Banco de Portugal em Berna (portanto não só a conta C), estes perfazem um total de oito no período entre Outubro de 1941 e Fevereiro de 1942. Daí em diante houve uma média de um carregamento por semana até à ocorrência do último em Fevereiro de 1944, exceptuando-se o período entre Julho e Setembro de 1943, em que a média foi de dois carregamentos por semana. Durante a guerra, foi entregue em Lisboa desta forma um total de 127 418 Kg de ouro fino, tendo apenas 42 209 Kg destes tido origem na conta C do Banco Nacional Suíço.

A maior parte deste ouro tinha outras proveniências visto que o Banco de Portugal detinha várias contas no Banco Nacional da Suíça, que serviam para transacções com o Banco de Pagamentos Internacionais e com o próprio Banco Nacional da Suíça. Estas, no entanto, davam entrada independentemente na contabilidade do Banco, sendo os seus movimentos registados separadamente e tratados de forma diferente. Sublinhe-se que o ouro recebido em Lisboa a partir da conta C não era necessariamente o mesmo ouro que os alemães tinham enviado para Berna. Por outras palavras, não se tratava neste caso de movimentos de ouro consignado especificamente pelos alemães a Portugal via Suíça, mas antes de um pagamento em ouro feito pelos suíços a Portugal por conta dos alemães, utilizando meios de pagamento disponibilizados por várias formas pelo Reichsbank ao Banco Nacional da Suíça.

Por vezes, o Banco de Portugal também vendia ouro ao Reichsbank, de forma a equilibrar as contas entre os dois bancos. Esta eventualidade estava prevista no acordo de Maio de 1942, sendo o preço igual ao das vendas ao banco central português. Até ao princípio de 1944, este tipo de operações de revenda servia meramente para acerto de contas. A partir de Fevereiro desse ano, no entanto, isto deixou de acontecer. As autoridades portuguesas acabaram nesse mês com todos os carregamentos para Lisboa, e, entre Abril e Setembro, começaram a vender o ouro adquirido entretanto, tanto ao Reichsbank como ao Banco Nacional da Suíça. Por fim, em 25 de Setembro de 1944, foi fechada a conta C mediante uma venda ao Banco Nacional da Suíça, em troca de francos suíços, dos restantes 960 Kg de ouro fino que tinham ficado nela. Como se pode ver pelo quadro 1, durante o período em que esteve aberta, esta conta recebeu um total de 48 877 Kg de ouro fino, dos quais 42 209 Kg foram enviados para Lisboa, tendo o restante sido vendido, sem qualquer lucro para o Banco de Portugal, ao Banco Nacional da Suíça ou revendido ao Reichsbank.

terça-feira, novembro 22, 2005

Guilherme I de Inglaterra

Apenas por diversão e brincadeira decidi postar esta biografia...

Guilherme I (Falaise, Normandia, cerca de 1027 - perto de Ruão, França, 9 de Setembro de 1087), cognominado o Conquistador, foi Duque da Normandia (1035-1087) e Rei de Inglaterra (1066-1087), após o sucesso da Conquista Normanda. Guilherme era filho ilegítimo de Roberto I, Duque da Normandia e de Herleva, filha de um senhor local.

Guilherme sucedeu ao pai como Guilherme II da Normandia em 1035, com apenas sete anos. O ducado foi entregue a um grupo de regentes e Guilherme foi viver para a corte de França, onde foi feito cavaleiro por Henrique I de França aos quinze anos. Pouco depois assumiu a governação da Normandia e teve de lidar com revoltas e tentativas de usurpação. Foi com a ajuda de Henrique de França que Guilherme assegurou definitivamente o seu ducado após a batalha de Val-ès-Dunes em 1047.

Em cerca de 1050, Guilherme casou com Matilde da Flandres, filha do Conde Balduíno V.

Conquista de Inglaterra
A 5 de Janeiro de 1066 o rei Eduardo o Confessor de Inglaterra morre sem descendência ou parentes próximos. Eduardo vivera no exílio na corte normanda durante os primeiros vinte e cinco anos da sua vida e era bastante próximo do primo Guilherme. Baseado numa alegada promessa feita por Eduardo e no parentesco com Ema da Normandia, Guilherme auto-proclamou-se rei de Inglaterra e sucessor de Eduardo. Os ingleses tinham, no entanto, outra opinião e elegeram como monarca Haroldo Godwinson, na altura Conde de Wessex e de East Anglia. Apesar desta decisão, Guilherme resolve lutar pelos seus direitos e reúne um exército de cerca de 7000 homens que despacha para Inglaterra numa frota de 600 navios. O desembarque aconteceu a 28 de Setembro na área de Pevensey (Sussex). O exército normando estabeleceu um acampamento fortificado perto de Hastings e esperou por uma resposta.

Entretanto, Haroldo II de Inglaterra encontrava-se no Norte do país, onde acabara de derrotar um exército invasor comandado por Haroldo III da Noruega e pelo seu próprio irmão Tostig Godwinson, que morreram na batalha. Ao saber das notícias da invasão normanda, Haroldo dirige-se para Sul em marcha forçada e consegue cobrir cerca de 400 km em apenas duas semanas. Os dois exércitos encontraram-se a 14 de Outubro de 1066, na batalha de Hastings, onde o resultado foi uma vitória significativa dos normandos. Guilherme deveu pelo menos parte do seu sucesso ao cansaço dos soldados ingleses e à morte de Haroldo II em batalha, que provocou a desordem e quebra de moral nas suas tropas. A batalha de Hastings encontra-se representada na tapeçaria de Bayeux. Os nobres anglo-saxões procuraram nomearam então Edgar Atheling como rei de Inglaterra, mas o rapaz de 12 anos não era opositor à altura de Guilherme da Normandia e acabou por desistir das suas pretensões. Guilherme foi coroado rei de Inglaterra no dia de Natal de 1066 na Abadia de Westminster.

Reinado de Guilherme
A aceitação do normando como rei não foi universal e ocorreram diversas revoltas, principalmente em Gales e no Norte de Inglaterra. Entre 1066 e 1072, o reinado de Guilherme foi dedicado sobretudo à pacificação do seu novo reino, que sofreu ainda diversas tentativas de invasão por parte dos Vikings noruegueses e dinamarqueses. Edgar Atheling foi um dos responsáveis pela desordem em Inglaterra ao fugir do seu exílio na Normandia para fomentar a revolta na zona de York. Recapturado em 1074, Guilherme I perdoou-lhe a traição e enviou-o de novo para a Normandia.
Como rei, Guilherme fez importantes reformas administrativas na área do direito civil e da economia. Mandou fortificar muitas cidades e construir a Torre de Londres. No plano social, Guilherme ordenou a compilação de um livro sobre as capacidades produtivas do país, que incluía uma forma simplificada de censo populacional.

Guilherme morreu com 60 anos perto de Ruão em França, em resultado de ferimentos sofridos numa queda de cavalo durante um confronto militar.