quarta-feira, abril 26, 2006

Atlântida

Atlântida, terra misteriosa
ligada ao misticismo dos Açores

Existiu na realidade o continente perdido da Atlântida ou a narrativa da destruição de uma ilha paradisíaca poderá ser apenas um conto moral? A história da Atlântida foi contada pela primeira vez por Platão como uma parábola para exemplificar como o Céu castiga os que adoram falsos deuses. Porém, simultaneamente, Platão sugere a autenticidade da narrativa, que servia a reminiscência de um terrível cataclismo, transmitida oralmente ao longo de centenas de anos. Mito ou realidade, a lenda da Atlântida tem inspirado uma pesquisa constante ao longo dos séculos; e muitos são os caminhos que levam aos Açores.

Num fim de tarde de 3500 anos antes de Cristo, o Verão no mar Egeu, calmo e longo, aproxima-se do seu termo. Os raios do Sol, no ocaso, incidem sobre uma ilha minúscula de recorte circular quase perfeito, tão bela com o seu vulcão ocre emergindo de um mar violeta que mesmo entre as ilhas do mar Egeu sobressai pela sua beleza. As andorinhas riscam o céu, volteando no poente rubro. A leve brisa da tarde agita os ramos das oliveiras. No porto reina a calma, agora que as tarefas do dia terminaram. Os pescadores regressam a casa com as suas presas brilhantes e prateadas. As ruas estreitas enchem-se de gente, que conversa e ri. Sentadas nas soleiras das portas, as mulheres tagarelam, enquanto das inúmeras olarias da cidade se ergue o alegre chiar da roda do oleiro. Terminado o dia de trabalho, os homens deixam os pomares e as vinhas e dirigem-se para casa. As sombras alongam-se em uníssono com a noite que cai. Então um calor estranho e sufocante envolve a cidade. O mar torna-se cor de chumbo. Das entranhas da terra vem um ruído surdo e abafado, intermitente primeiro, continuo em seguida. Os habitantes são tomados de pânico. Pressentem que o grande vulcão, cujo pico de cerca de 1500 m domina as suas vidas, está prestes a entrar em erupção e o deus que no interior do vulcão rege as forças que abalam a terra acordou do seu longo sono. No entanto, os habitantes não poderiam imaginar, ao abandonarem precipitadamente as casas levando consigo apenas alguns haveres apanhados à pressa, que a sua cidade, a ilha e também toda a sua civilização estavam prestes a ser destruídas por um cataclismo vulcânico que, segundo provas reunidas por vulcanólogos e sismólogos de épocas posteriores, é considerado como um dos mais violentos jamais ocorridos. Primeiramente surgiu um penacho de fumo negro e sufocante. Depois, entre explosões deflagrando de cone, desabou uma terrível chuva de pedra-pomes incandescente, seguida de cinzas. No auge do cataclismo o próprio vulcão, sujeito a enormes pressões internas, explodiu. Com um fragor que ecoou nos confins do Mediterrâneo (ou no Atlântico) e que certamente teve ressonâncias de fim do Mundo, grande parte da ilha desfez-se em pó. Finalmente, a câmara de magma sob o vulcão esvaziou-se, vomitando milhões de toneladas de rocha sólida – e o enorme vulcão abateu-se sobre si próprio, formando uma caldeira ou cratera de encostas abruptas de cerca de 60 km de perímetro. O mar precipitou-se nesse vazio, trazendo na sua esteira ainda mais horrores – os gigantescos tsunamis, maremotos desencadeados por tremores de terra ou erupções vulcânicas, que são provavelmente as mais aterradoras forças da Natureza. Ondas de cerca de 200 m de altura irradiaram da ilha, atingindo os litorais próximos com uma violência nunca igualada. Eis a sequência dos acontecimentos que destruíram a ilha há 3500 anos, tal como os cientistas de hoje a imaginam. Esta explosão, segundo os seus cálculos, produziu uma força destruidora equivalente a 500-1000 bombas atómicas. Uma terrível escuridão, provocada pela densa chuva de cinzas, caiu sobre o mar Egeu, (ou no Atlântico) mergulhando-o numa noite que se prolongaria por semanas. Durante algum tampo, a cinza continuou a cair e ainda hoje se encontram depósitos dela, designados por tephra, a mais de 60 m de profundidade sobre o que resta da ilha denominada Kalliste pelos antigos gregos. Actualmente, os cientistas crêem que o sucedido em Kalliste poderá constituir a chave para o enigma que tem preocupado historiadores e geógrafos desde os tempos do filósofo grego Platão (c. 427-347 a. C.). Platão, um dos fundadoras do pensamento ocidental, foi a nossa única fonte directa no que diz respeito a lenda da Atlântida e o seu relato fragmentado do continente tragado pelo mar ainda hoje excita as imaginações. A Atlântida de Platão era uma espécie de paraíso: uma grande ilha, «maior que a Líbia e a Ásia em conjunto» (Nesse tempo ainda não se conheciam as verdadeiras dimensões dos continentes) – com imponentes cadeias de montanhas, planícies luxuriantes onde proliferavam todas as espécies de animais, incluindo elefantes, e exuberantes jardins onde os frutos eram «belos e prodigiosos e em número infinito». Abundavam os metais preciosos, especialmente o mais apreciado pelos Antigos, o fabuloso e iridescente oricalco, uma liga de cobre – possivelmente latão. A capital da Atlântida, implantada exactamente no centro da ilha, era notável pelas proporções e magnificência dos edifícios públicos, onde as pedras brancas, pretas e vermelhas se combinavam harmoniosamente. Mais extraordinário ainda, talvez, era o projecto a que obedecera a construção da cidade, a qual se distribuía por cinco zonas, formando círculos concêntricos perfeitos. Os diversos portos eram servidos por um sistema de canais. Platão refere que o canal e o porto da capital se encontravam «repletos de embarcações e comerciantes vindos de todas as partes, imensa multidão que dia e noite ... produzia um rumor continuo, confundindo as vozes humanas com os mais variados sons». No centro da cidade erguiam-se o grande palácio e o templo – este mais sumptuoso ainda: «Todo o exterior do templo, exceptuando os pináculos, que eles tinham coberto de ouro, estava revestido de prata. No interior do templo, o tecto, de marfim, apresentava curiosos embutidos de ouro, prata e oricalco; todas as restantes partes, as paredes, os pilares e o solo, haviam sido recobertas de oricalco. No templo colocaram estatuas de ouro; ali se encontrava o deus que veneravam, de pé num carro – um auriga conduzindo seis cavalos alados – de tão grandes proporções que a sua cabeça atingia o tecto; a sua volta cem nereidas montavam golfinhos ...» Este auriga era Posidon, o deus dos mares, o que abala a Terra. Quando ele e seus divinos irmãos Zeus e Hades partilharam o mundo, a Atlântida coube a Posidon, que se tornou então o senhor todo poderoso da ilha e a povoou com os seus descendentes, uma raça nobre e protegida pelos deuses. Os dez reis da Atlântida, embora imensamente ricos e poderosos, governaram com sabedoria o enorme império que construíram. Inúmeras gerações de habitantes da Atlântida viveram em paz regidas por um sistema de leis que lhes fora transmitido por Posidon e cuja equidade suscitava admiração universal. Em determinado momento, porém, a sociedade da Atlântida entrou em decadência. O povo começou a adorar os falsos deuses da riqueza, do ócio e da luxuria. Platão, sempre pessimista em relação à natureza humana, escreve: «Quando a centelha divina começou a extinguir-se, frequentemente enfraquecida ante a matéria mortal, e a natureza humana tomou o lugar preponderante, então os habitantes da Atlântida, incapazes de arrostarem com o seu destino, comportaram-se indecorosamente e, para quem tinha olhos para ver, ficaram progressivamente privados do mais belo dos seus preciosos dons; porém, face àqueles que não tinham olhos para ver a felicidade autêntica, surgiam gloriosos e felizes no momento preciso em que a avareza e o poder iníquo os dominavam.» Foi durante esta época de corrupção que os habitantes da Atlântida se lançaram numa guerra para a conquista do Mundo, enviando poderosas frotas contra as outras ilhas e escravizando as populações das colónias estabelecidas nas costas do Mediterrâneo (ou no Atlântico). Atenas, a cidade consagrada a Atena, deusa da sabedoria, das artes e ofícios e da guerra, foi a única que conseguiu resistir-lhes. Os hoplitas atenienses, ou infantaria pesada, lograram conter o fluxo invasor. Esta vicissitude não foi, porém, a última. Os deuses tinham preparado um castigo implacável para os homens que haviam traído a antiga crença da Atlântida. E Platão prossegue: «Sobrevieram então terramotos violentos e inundações; e num dia e numa noite de infortúnio apenas ... a ilha da Atlântida desapareceu nas profundezas do oceano.»

Segundo a versão de Platão, estes acontecimentos ocorreram numa antiguidade remota, há cerca de 12 000 anos. Platão situou a Atlântida no Grande Oceano, o Mar Ocidental, (no Atlântico) cujas ondas se erguiam para lá das Colunas de Hércules, o actual estreito de Gibraltar. Assim, a maioria das polemicas posteriormente geradas em torno da existência e da posição geográfica da Atlântida tem origem nesta localização no tempo e no espaço.

Qual a fonte do relato de Platão e até que ponto deve ser tida como certa. Quais as circunstâncias em que foi escrito e qual o seu objectivo ? Há apenas 100 anos, as cidades de Tróia e de Micenas eram, tal como a Atlântida, consideradas um mito. Os investigadores eram de opinião que a Ilíada, o poema épico de Homero que descreve o cerco de Tróia, se fundamentava na lenda e na imaginação. No entanto, a busca solitária de um autodidacta alemão, Heinrich Schliemann (1822-1890), estava destinada a anular os dogmas oficialmente aceites. Convencido de que a Ilíada se baseava em factos históricos, Schliemann utilizou-a como guia para o mundo perdido de Tróia. A sua grande aventura tornou-se um exemplo para muitos defensores da teoria da Atlântida. Nas palavras do príncipe Miguel da Grécia: «A reabilitação de Homero e a vitória, tardia mas definitiva, daqueles que nele acreditavam podem ser motivo de reflexão para os que põem em duvida a existência da Atlântida.» Poder-se-á, no entanto, defender Platão do mesmo modo que Homero ? A história da Atlântida difere da de Tróia num aspecto importante: não fazia parte de qualquer tradição oral. Não era uma lenda transmitida oralmente de geração para geração ao longo de séculos. Era a obra de um homem, Platão. A história da Atlântida surge em dois dos famosos Diálogos de Platão – Time e Critias. Estes Diálogos eram essencialmente transcrições dos debates filosóficos a que se entregavam frequentemente os intelectuais de Atenas. Platão tinha por habito animar o debate destas ideias secas, abstractas, apresentando-as sob a forma de alegorias, parábolas e outros artifícios literários. Imaginou um grande número de histórias a fim de tornar mais agradáveis e mais persuasivos os seus argumentos lógicos. Não será possível, e até mesmo provável, que a narrativa da Atlântida seja apenas uma destas fábulas imaginada para ilustrar uma tese filosófica. Nos Diálogos, o narrador e Critias, primo de Platão e também discípulo de Sócrates. Em três momentos distintos, Critias insiste na veracidade da narrativa citando o próprio Socrates como tendo afirmado que ele apresentava «a grande vantagem de ser um acontecimento verídico, e não um produto da imaginação».

Crítias afirma ainda que a história lhe fora narrada pelo seu bisavô Dropides, que por sua vez a ouvira a Sólon. Esta afirmação, a ser verdadeira, é susceptível de conduzir a reflexão mesmo os mais cépticos, pois Sólon era conhecido em toda a Grécia pela sua probidade. Sendo o mais celebre legislador da Antiguidade Clássica, Sólon era ainda considerado o mais erudito dos Sete Sábios da Grécia. Viveu entre cerca de 640 e 558 a. C., dois séculos antes de Platão ter relatado a história da Atlântida – um lapso de tempo relativamente curto para que uma história deste tipo se mantenha viva por tradição oral. Sólon não confirmava a originalidade da história. Ele próprio tivera dela noticia durante uma viagem ao Egipto cerca de 590 a. C. Em Saís, uma cidade antiga no delta do Nilo, tivera contactos com os sacerdotes da deusa Neith. Estes homens possuíam elevada cultura e Sólon, sempre ávido de novos conhecimentos, interrogara-os sobre os tempos antigos. Um velho sacerdote referira pormenorizadamente os feitos heróicos dos seus próprios antepassados atenienses de há 9000 anos e o trágico destino da ilha da Atlântida. Impressionado pela narrativa, Sólon traduziu-a para o grego com a intenção de a converter num poema épico, pois, além de homem de Estado, era também um poeta notável. Não viveu no entanto o suficiente para realizar esta aspiração. É possível, portanto, que tenham sido os Egípcios, esses historiadores meticulosos obcecados pelo passado, com as suas tábuas e arquivos sagrados, quem preservou a história da Atlântida. Admitindo que a Atlântida existiu realmente, esta sua ligação com o Egipto reveste-se de enorme importância, pois significa que os Egípcios, além de terem conhecimento da existência da Atlântida, mantinham possivelmente relações comerciais com a ilha.

Se esta relação com o Egipto é autentica, o carácter nebuloso da narrativa de Platão poderá ter-lhe sido conferido pelo próprio filosofo. E provável que este tenha transmitido a lenda numa forma muito semelhante àquela que ele próprio escutara, adaptando-a e transformando-a de acordo com exigências puramente literárias, pois assistia-lhe esse direito. É importante sublinhar que as intenções de Platão ao relatar a lenda da Atlântida eram mais filosóficas que históricas. Grande número de comentadores omite que, nos Diálogos, Platão se ocupa da sabedoria, das instituições e da influência de Atenas, e não da Atlântida. Os habitantes desta última formam. um contraste lógico com os antepassados de Sólon e do próprio Platão. Estes atenienses de antanho, que Platão designou por homens probos», haviam criado algo de semelhante ao Estado ideal que o filosofo apresenta na sua Republica. Assim, a história da decadência da Atlântida seria um pano de fundo sobre o qual se recortam mais nitidamente as virtudes deste Estado filosófico.

Alguns escritores clássicos, contudo, não encaravam seriamente esta parábola de Platão. O seu discípulo Aristóteles sustentava que ela era apenas uma invenção poética destinada a realçar a narrativa e que Platão criara a Atlântida com o único propósito de à afundar no final da história. Muitos outros escritores adoptaram uma posição semelhante. Outros ainda, porém, hesitavam. Crantor, que viveu cerca de 300 a. C. e foi o primeiro comentador das obras de Platão, afirmava que a descrição da Atlântida era rigorosa em todos os seus pormenores. Crê-se que Crantor chegou mesmo a ir ao Egipto para verificar as fontes de Sólon na sua origem. Alguns séculos mais tarde, Possidónio (c. 135-50 a. C.), sábio e filósofo estóico, afirma a crença de Platão quanto à autenticidade da história. Realidade ou ficção. É uma polemica que se arrasta há cerca de 23 séculos, que estimulou as mais extravagantes fantasias e deu origem a inúmeras e complicadas pesudociencias. A Atlântida tornou-se o campo propício onde se movimentam os iniciadores de falsas religiões, praticantes de ciências ocultas e magia negra, espiritas, videntes e escritores de ficção cientifica, despertando simultaneamente a atenção de arqueólogos idóneos.

Porquê a eterna fascinação da Atlântida, o continente perdido? Ela foi pretexto de inúmeros mitos, uma terra idílica situada na direcção Oste, no caminho do Sol poente ... o jardim das Hespérides, onde os frutos das macieiras eram de ouro ... os Campos Elísios ... o país dos Hiperbóreos – todos localizados no vasto Mar Ocidental que, segundo se cria, tragara a Atlântida. Na Idade Media e no Renascimento, atribuía-se a mesma localização às lendárias ilhas Felizes, às ilhas dos Bem-Aventurados e á ilha de S. Brandão. Quando a geografia é consequência da imaginação, surgem possibilidades ilimitadas; assim, o pensamento pré-moderno povoou os mares de ilhas Fabulosas, terras de leite e mel onde os vivos e os mortos se reuniam numa eterna ventura.

A história e a lenda contém inúmeras referências a ilhas que foram tragadas pelo mar – a misteriosa ilha de Avalon do rei Artur, por exemplo. Este conceito não é totalmente fantasista. O aparecimento de ilhas vulcânicas que emergem e seguidamente desaparecem no mar e um facto que se verifica no oceano Atlântico, nos Açores isso já aconteceu. (Ex. Ilha Sabrina) e próximo da Islandia.

Platão indica claramente que a Atlântida se situava no oceano Atlântico, o que levou um certo número de investigadores a procura-la nessa área, persuadidos de que existira outrora um imenso continente no meio do oceano. Segundo esta teoria, os Açores, as ilhas de Cabo Verde, as Canárias e a Madeira seriam os cumes das montanhas da Atlântida e o que permanece visível de um continente perdido. Só no século XV, com os descobrimentos europeus, a Atlântida saiu da lenda e foi aceite como realidade. Os cartógrafos da época incluíram-na nos seus mapas, embora tivessem apenas a imaginação como ponto de referência. Aquando da descoberta da América, esta foi rapidamente identificada como sendo a Atlântida, não obstante a pertinente objecção de que se tratava de terra seca que nunca estivera submersa. Tais lapsos e incertezas em nada contribuíram para desencorajar um renovado interesse pelo continente perdido. Tinha-se iniciado a pesquisa histórica da Atlântida. No século XIX, culminando uma proliferação de teorias e antiteorias, surge: uma nova «ciência» – a atlantologia. Um dos primeiros atlantologos celebres foi Ignatius Donnelly, político americano e membro do Congresso dos Estados Unidos da América. Em 1882, Donnelly publicou a sua obra-prima, Atlântida: o Mundo Antediluviano, estudo que; obteve grande êxito, tornado-se a bíblia da atlantologia. A tese de Donnelly baseava-se em certas semelhanças que observara entre as civilizações pré - colombianas da América e a antiga cultura do Egipto. Donnelly citava entre outras a construção de pirâmides, a arte de embalsamar, o estabelecimento de um calendário de 365 dias e a tradição do Dilúvio. Estava persuadido de que as duas civilizações tinham uma origem comum, um continente que existia entre o Velho e o Novo Mundo antes do Diluvio, e que, uma vez submerso este continente, duas culturas tinham surgido, uma a Oriente, outra a Ocidente: Na elaboração da sua teoria, Donnelly recorreu profusamente à ciência da época, associando com considerável erudição e habilidade literária a arqueologia, mitologia, linguistica, etiologia, geologia, zoologia e botânica. Esta miscelânea cientifica estava destinada a um futuro brilhante, proporcionando uma fonte inesgotável a uma extensa série de seguidores.

Os que secundavam Donnelly dispunham de grande número de teorias para apoio das sua causa. A atlantologia surgia como solução para muitos enigmas consagrados. Os misteriosos hábitos de reprodução das enguias, por exemplo, as quais, partindo da Europa, atravessam o Atlântico numa viagem longa e arriscada para desovar no mar dos Sargaços, eram explicados pela sua experiência passada nos rios da Atlântida. A Atlantida era considerada a pátria original dos Bascos, povo sem afinidade rácica e linguística com os outros povos europeus, e das tribos de Índios brancos, encontrados, por exemplo, na Venezuela. Os Guanches, aborígenes das ilhas Canárias que viviam em cavernas e que foram eliminados quando os Espanhóis conquistaram as ilhas, eram certamente descendentes dos habitantes da Atlântida. De elevada estatura e pele branca, possuíam uma língua escrita indecifrável. O deus pré-colombiano, branco e de barbas, a quem os Maias chamavam Kukulcan, os Toltecas, Quetzalcoatl, e os Incas, Viracocha, e que viera do Oriente por mar e fora portador de uma civilização, só da Atlântida podia ser originário. Qual o fundamento das teorias de Donnelly à luz das ciências modernas, em especial da geologia dos oceanos, que nos últimos 30 anos conheceu um desenvolvimento notável ? Grande parte das analogias indicadas por Donnelly era suficientemente inquietante para causar acesa controvérsia na época; actualmente, porém, não existe qualquer duvida de que a sua teoria continha uma infinidade: de equívocos. Donnelly pretendeu demonstrar que praticamente todos os enigmas do Mundo estavam de certo modo relacionados com a Atlântida e, ao tentar justifica-los, expôs-se a critica de que nada conseguira realmente provar.

A base sobre a qual as teorias de Donnelly se fundamentam – a Atlântida estava localizada no meio do oceano Atlântico – tem sido vigorosamente contestada. Os estudos oceanográficos do fundo do mar e da formação dos continentes revelam que em parte alguma dos 82 217 000 km2 do Atlântico se encontra qualquer prova da ocorrência de um cataclismo com as proporções do que teria atingido a Atlântida, ou de que este continente tenha alguma vez existido. De norte a sul estende-se uma enorme cadeia de montanhas com cerca de 20 000 km de comprimento, que emerge nos Açores, e em outros sitios, como a Islândia, a ilha Brasileira de Fernando de Noronha, as ilha de Ascenção, entre outros. No entanto, embora se trate de facto de uma cadeia de montanhas de origem vulcânica, esta encontra-se «em expansão» – elevando-se para a superfície –, enquanto a Atlântida se encontraria em afundamento. Para refutar a teoria de Donnelly, foram necessários o equipamento e os técnicos modernos. Em 1912, porém, a história da Atlântida era suficientemente convincente para ressuscitar a imaginação de um público crédulo. Nos Estados Unidos foi o expoente máximo do jornalismo sensacionalista. Há alguns anos o New York American de William Randolph Hearst proclamava em grandes parangonas: «Como encontrei o continente perdido da Atlântida, fonte de toda a civilização.» O artigo está assinado pelo Dr. Paul Schliemann, apresentado como um certo do descobridor de Tróia.

O autor do artigo pretendia ter na sua posse documentos secretos legados pelo seu celebre avô, os quais continham estranhas revelações acerca do continente perdido da Atlântida, de enorme importância para o mundo civilizado. Era uma história dramática, ou antes, melodramática. Os documentos encontravam-se num sobrescrito selado com a inscrição: Só poderá ser aberto por um membro da família [Schliemann] após juramento solene de que dedicará a sua vida as investigações descritas nos documentos anexos.» Paul Schliemann fez o juramento e abriu o misterioso sobrescrito. A primeira indicação nele contida determinava que quebrasse um vaso encimado por um mocho que fora guardado com os documentos. Dentro do vaso, Schliemann encontrou uma curiosa moeda quadrada, feita de uma liga branca desconhecida, com uma inscrição em caracteres fenícios: «Procedente do Templo das Paredes Transparentes.»

Com entusiasmo crescente, Schliemann percorreu as anotações do seu avô, encontrando uma referência a um grande vaso de bronze que fora descoberto nas escavações de Tróia, o qual ostentava uma inscrição intrigante: «Oferecido por Crono, rei da Atlântida.

Schliemann contava que partira então numa viagem à volta do Mundo em busca de novas provas. Pretendia ter descoberto dois manuscritos que confirmavam o relato de Platão, segundo o qual a Atlântida se afundara no oceano Atlântico. Um deles, conservado em Londres, era de origem Maia; o outro, guardado num mosteiro tibetano, era um documento caldeu com mais de 4000 anos. Ambos provavam que haviam existido povos civilizados antes do diluvio.

O artigo de Schliemann terminava prometendo novas revelações surpreendentes. A sua história, composta por todos os elementos de uma clássica história de suspence acrescida do mistério antigo, fez sensação em muitos países. Revelou-se, no entanto, uma história sem conclusão. As revelações prometidas nunca se tornaram realidade. Paul Schliemann desapareceu simplesmente e desde então nunca mais se ouviu falar dele.

Para os mistificadores como Paul Schliemann, para os amadores de partidas, cabalísticos e excêntricos de todo o género, a história da Atlântida possui uma atracção irresistível. Porém, enquanto ocultistas e visionários que gravitam nos aspectos superficiais do culto dominando os grandes títulos, existe um número igualmente importante de estudiosos honestos, os quais a publicidade ignora. Estão neste número os historiadores, geógrafos, escritores, políticos, botânicos, oceanógrafos, arqueólogos, poetas, linguistas e até o cientista britânico Frederick Soddy, Laureado com o Prémio Nobel de Química em 1921.

A Atlântida é susceptível de atrair os mais diversos espíritos. Já fez correr rios de tinta. Recentemente, um jornalista perito em arqueologia, o almejado C. W. Ceram, revelou que existem cerca de 20 000 obras sobre o assunto. Um dos mais estranhos episódios da saga da Atlântida relaciona-se com o profeta e vidente americano Edgar Cayce (1877-1945). Cayce, um fotógrafo de sucesso, ganhara renome como curandeiro, e, quando em transe hipnótico, tinha visões surpreendentes, que frequentemente diziam respeito à Atlântida. Afirmava que grande número dos seus «clientes» eram habitantes da Atlântida reencaminhados, que possuíam uma característica comum – um conhecimento invulgar de assuntos técnicos. A sua descrição da Atlântida, que se manifestou no decurso de centenas de transes entre 1923 e 1944, era extraordinariamente semelhante à de Platão, embora se acreditasse que Cayce nunca lera os livros. A sua Atlântida possuía uma civilização de elevada técnica e se haviam guindado a níveis altamente sofisticados. Os habitantes da Atlântida haviam dominado todas as Fontes de energia, particularmente a energia atómica, e conheciam os princípios do voo. O seu mundo fora destruído em três holocaustos nucleares distintos ocorridos nos anos 50 000, 28 000 e 10 000 a. C. Esta última data corresponde aproximadamente à indicada por Platão para a catástrofe que assolou a Atlântida. Cayce revelou, no entanto, que os habitantes, na sua maioria, escaparam ao aniquilamento, pois haviam previsto as calamidades que se aproximavam. Assim, dispersaram-se para Leste, para o Egipto, e para Oeste, para o Peru e México, preservando de certo modo o seu património cultural.

As visões de Cayce, embora em parte com subjectividade e com pontos obscuros, permitiram distinguir dois elementos essenciais. Em primeiro lugar a Atlântida por ele descrita como situada entre o golfo do México e o estreito de Gibraltar apresenta semelhanças notáveis com os Estados Unidos do último quartel do século XX. Cayce acrescentou ainda que foram os cientistas e os técnicos da Atlântida que provocaram a sua própria destruição pelo uso indevido dos perigosos conhecimentos que haviam alcançado. é possível que a visão de Cayce fosse, na realidade, um premunição – que a sua visão se apresentasse o passado remoto, mas o futuro imediato da América industrializada. A sua mensagem parece ser uma esclarecida advertência à sociedade moderna. As ideias de Cayce são positivamente moderadas quando comparadas com certas teorias. Alguns entusiastas situam a Atlântida no domínio da teoria cientifica, transformando os antigos marinheiros da ilha em seres extraterrestres e equipando-os com naves espaciais, pistolas laser e raios cósmicos.

Os quiméricos pesquisadores da Atlântida já descobriram o continente perdido numa imensa variedade de locais, tais corno os Andes, o Tibete, a Austrália, o Caucaso, a América do Sul, a bacia do Amazonas, Spitzberg, a Líbia, o Pais Basco, a índia, Marrocos, o deserto do Gobi, o Egipto, o México, Ceilão, a China, a Tunísia, a Suécia, nos Açores , no Saara, na Sibéria, o mar do Norte e o oceano Pacifico. Não é, pois, surpreendente que, fazer a ideias de tal futilidade, os cientistas tenham tendência para encarar qualquer mérito à Atlântica com um céptismo que em 1958, uma observação levada a cabo nas Baamas conduziu a uma nova descoberta que iria fornecer material aos fantasistas da Atlântida, com novos acontecimentos para os verdadeiros investigadores. O Dr. J. Manson Valentine, zoólogo americano e mergulhador experimentado, notou algumas estranhas estruturas no leito do oceano, cujo traçado geométrico só era claramente visível do ar – polígonos regularas, círculos, triângulos, rectângulos e linhas rectas que se prolongavam por muitos quilómetros.

Em 1968, o Dr. Valentine descobriu ao largo da pequena ilha de Bimini do Norte uma enorme «muralha» submersa com várias centenas de metros de comprimento. A muralha apresentava duas ramificações perfeitamente rectas e perpendiculares. Eram formadas por blocos de pedra quadrados com mais 4,5 m de lado. Ao prosseguir a sua exploração, revelou-se-lhe uma estrutura muito mais complexa, que com os seus cais e o seu molhe duplo se assemelhava a um porto submerso. O francês Dimitri Rebikoff, engenheiro e mergulhador experimentado, dirigiu-se ao local. Pioneiro da fotografia submarina e inventor do torpedo Pegasus, Rebikoff procedeu ao levantamento completo da zona utilizando os processos mais modernos. Rapidamente as águas azuis e límpidas das Baamas encheram-se de mergulhadores e, com igual rapidez, teve inicio a controvérsia em relação às muralhas. Alguns observadores afirmavam que estas eram sem sombra de duvida de origem natural. Com igual segurança se pretendia que elas faziam parte de uma estação arqueológica sem precedentes, cujas enormes estruturas construídas pelo homem revelavam a existência de uma civilização avançada numa antiguidade remota. Mas quem talhara estas enormes pedras ? Os peritos foram extremamente cautelosos na identificação dos seus construtores. A hipótese de serem povos pré-colombianos – os Olmecas e os Maias – foi abandonada. Pensou-se também nos arquitectos de Tiahuanaco.

Apontaram-se semelhanças com Stonchenge e os misteriosos desenhos traçados nas areias do deserto de Nazca. Estas teorias, por si só ultrapassaram as conjecturas. As descobertas do Dr. Valentine provocaram novas ondas de especulação. Mais uma vez se sugeriu a existência de seres extraterrestres. Realçou-se que Bimini do Norte se encontra no Triangulo das Bermudas, zona oceânica famosa pelos seus mistérios. E, fatalmente, tornou a falar-se da Atlântida.

A geologia da zona indicava que a inundação da plataforma das Baamas fora causada pela fusão dos glaciares do pólo, provocando a elevação do nível das águas dos oceanos. Este facto levaria a atribuir as ruínas de Bimini do Norte a data provável de 8000 a 7000 a. C. e anularia todas as teorias actuais relativas ao povoamento das América e a origem das suas civilizações.

As dúvidas originadas pelas descobertas em Bimini do Norte foram posteriormente relegadas para segundo plano devido a uma dessas estranhas coincidências que surgem infalivelmente sempre que é abordado o enigma da Atlântida. Segundo constou, Edgar Cayce previra todos estes acontecimentos ao afirmar que a Atlântida ressurgiria das águas de Bimini do Norte, facto que viria a verificar-se em 1968 ou 1969. Os grandes templos da Atlântida, dissera, seriam encontrados «sob o sedimento dos séculos e sob as ondas do mare.

Os cientistas idóneos que procuravam uma explicação racional para estas descobertas reagiram de forma característica, e compreensível, a esta intervenção póstuma do vidente americano (falecido em 1945). Assim, rejeitaram toda e qualquer teoria relacionada com a Atlântida de Platão. Se, na verdade, as ruínas haviam sido submergidas como resultado do lento degelo dos glaciares, onde estava a catástrofe súbita e de enormes proporções, que tragara o continente. As opiniões acerca de Bimini do Norte mantém-se inconcludentes.

O consenso geral inclina-se para que as estruturas sejam «provavelmente artificiais» e datam de um período bastante antigo». Mas na busca da Atlântida poderia rejeitar-se, assim tão simplesmente, a hipótese Bimini? E se Platão ou Sólon se tivessem equivocado quanto à situação da ilha e se Sólon tivesse interpretado erradamente as informações dos sacerdotes egípcios? Estes haviam utilizado a expressão «o verdadeiro mar», o que não significaria necessariamente o Atlântico. De igual modo, os Gregos podiam ter sido induzidos em erro ao supor que os «estreitos» mencionados fossem as Colunas de Hércules, dado que existem outros estreitos mais próximo do delta do Nilo. Além disso, embora se admite que os Egípcios tivessem realizado longas viagens em jangadas de papiro, não eram propriamente um povo de navegadores e os seus conhecimentos dos oceanos foram em grande parte adquiridos através de outros povos, como os Fenícios e os Cretenses, que se dedicavam ao comercio marítimo.

O cepticismo que a situação geográfica atribuída à Atlântida pelos Egípcios inspirou levaria a considerar Bimini do Norte como uma localização possível para a ilha e, simultaneamente, a seguir uma outra linha de pensamento. E provável que os Egípcios, pouco conhecedores dos mares, situassem um continente vasto e misterioso como a Atlântida num oceano distante, é improvável que admitissem que esta se encontrava muito mais próximo – no mar Egeu. Privados de qualquer informação concreta em que se pudessem basear, teriam os Egípcios pensado que a Atlântida se situava a milhares de quilómetros para além dos seus horizontes ?

A erupção vulcânica de grande amplitude ocorrida na ilha de Kallisté corresponde sem dúvida à catástrofe descrita por Platão. Existem, além disso, provas concludentes de que, antes da tragédia, florescia no Mediterrâneo Oriental uma civilização avançada e decadente.

Em 1967, o eminente arqueólogo grego Spyridon Marinatos iniciou escavações na ilha de Kalliste, nas ruínas de uma antiga cidade soterrada sob a cinza, local que veio a ser designado por Pompeia do mar Egeu. Esta ilha, actualmente conhecida por Santorino ou Tera, é a mais meridional das ilhas Cíclades. Dois anos antes, os cientistas americanos Dragoslav Ninkovich e B. C. Heezen haviam reconstituído com rigor notável o cataclismo ocorrido em Santorino há 3500 anos, tendo-o então comparado com uma erupção mais recente, em Agosto de 1883 – a de krakatoa, no estreito de Sonda, entre Java e Samatra.

A sequência dos acontecimentos nesta expulsão encontra-se documentada e segue um esquema quase idêntico ao de Santorino. A erupção de krakatoa foi ouvida a cerca de 4800 km de distância. As cinzas ergueram-se a 80 km de altura e, ao caírem, cobriram uma área de 780 km2. A diferença fundamental é que as forças libertadas em Santorino superaram quatro vezes a intensidade das de Krakatoa. É possível obter uma imagem mais exacta. das proporções desta destruição considerando que as vagas sísmicas de Santorino atingiram uma altura de cerca de 200 m, enquanto as de Krakatoa, apenas com 35 m, causaram a morte de cerca de 36 000 mil pessoas.

Em Santorino, a inexistência de quaisquer vestígios humanos além de alguns ossos e dentes calcinados permite pensar que os habitantes tiveram tempo para fugir antes da explosão da ilha – tal como, segundo Plínio, aconteceu a grande parte dos habitantes de Pompeia. E no entanto duvidoso que alguém tenha sobrevivido aos efeitos devastadores da erupção. A morte que os surpreendeu deve ter sido partidariamente horrorosa. Atingidos nos seus barcos superlotados por pedaços flutuantes de pedra-pomes, devem ter sido queimados vivos pela chuva de rochas e cinzas incandescentes e por fim tragados pelas vagas gigantescas.

Não é possível afirmar por quanto tempo se arrastou a destruição – dias ou semanas. Sabe-se, porém, que os efeitos se fizeram sentir por toda a zona leste da bacia do Mediterrâneo. As cinzas, levadas para sudeste pelos ventos de Verão, afastaram-se 700 km do vulcão, depositando-se numa área superior a 300 000 km. Entre 1945 e 1965 procedeu-se à colheita de amostras de sedimentos no leito do mar Mediterrâneo, sendo então possível determinar a dispersão atingida pelas cinzas. Os oceanografos descobriram uma camada de pedra de Santorino com 2 m de espessura, a 140 km do vulcão e a uma profundidade de 3000 m.

As cinzas alcançaram as costas da Ásia Menor, da Palestina e do Egipto. O delta do Nilo foi gravemente atingido. Alguns cientistas aventaram mesma a hipótese de que certos episódios bíblicos se teriam inspirado inteiramente nos efeitos da erupção de Santorino. As Dez Pragas do Egipto podariam estar relacionadas com a queda das cinzas, e a separação das águas do mar Vermelho, que permitiu aos Hebreus fugir do faraó, estaria provavelmente relacionada com as vagas sísmicas. O mar teria recuado antes da chegada dos tsunamis, os quais seriam suficientemente poderosos para arrasar um exército.

A cratera vulcânica de Santorino é uma das mais extraordinárias paisagens naturais do Mediterrâneo. No centro, onda anteriormente se cingiu o vulcão, existem dois blocos de lava negra, denominados Palea Kameni e Nea Kameni, o que significa A Valha Ilha Queimada e A Nova llha Queimada. Embora destas ilhas tenham surgido muito depois do cataclismo, delas erguem-se por vezes penachos de fumo, derradeiros vestígios de actividade vulcânica naquela zona. A paisagem assemelhasse à superfície da Lua, calcinada, esburacada, escarpada e sinistra. Santorino e as ilhas próximas, Thensia e Aspronisi, são tudo o que resta da ilha outrora fértil que deveria ter sido a Atlântida.

Embora hoje em dia a zona do mar Egeu não apresente praticamente actividade vulcânica, está ainda sujeita a frequentes tremores de terra. No dia 9 de Julho de 1956, as 5 h. da manha, Santorino sofreu nova tragédia. O abalo de terra atingiu 7-8 na escala de Richtcr, seguindo-se-lhe vagas sísmicas de mais de 24 m de altura, provocando mais de 50 mortos, 200 feridos e 2400 casas destruídas. Actualmente são ainda visíveis vestígios desta calamidade, sobretudo na sombria e estranha cidade de Ios.

O aspecto decadente de Ios contrasta violentamente com o ambiente de Akrotiri, no outro extremo da ilha. Em Akrotiri, de momento a mais famosa zona de escavações da Grécia, mantém-se vivo o espirito explorador. Situa-se numa pequena ravina onde a camada de pedra, relativamente pouco espessa (cerca de 9 m), tornou possível as escavações. Comparada com Pompeia, Akrotiri, estação arqueológica da Idade do Bronze, não é espectacular; porém, a lenda da Atlântida é uma poderosa atracção, e todos os anos milhares de visitantes sobem os 587 degraus da Escadaria de Phira para observar as escavações.

No Outono ou no Inverno, em dias de boa visibilidade, é possível avistai a ilha de Creta, 110 km a sul de Akrotiri. Os principais efeitos do cataclismo de Santorino não pouparam Creta. As vagas sísmicas atingiram a ilha meia hora após a sua formação em Santorino. Dependendo a velocidade a que se deslocam estas vagas da profundidade do mar e sabendo que entre as duas ilhas a profundidade media e de cerca de 1000 m, é possível concluir que os tsunamis atingiram uma velocidade de 355 km/h.

Estas enormes muralhas de égua, que ao atingirem Creta se erguiam a cerca de 90 m de altura, fustigaram o litoral norte, densamente povoado, arrasando grandes portos como Amnisos, que servia Cnossos, a capital, destruindo cidades e palácios e fazendo inúmeras vitimas. Toda a zona leste da ilha ficou soterrada sob uma densa camada de cinzas que destruiu as colheitas e contaminou o solo durante anos.

Cnossos, situada no interior, não foi afectada; porém, os outros centros culturais da zona leste foram abandonados, verificando-se uma grande migração para o oeste da ilha, menos atingido pelas vagas. No entanto, a economia cretense fora tão brutal e repentinamente destroçada que jamais se recomporia. A idade de ouro da civilização minóica atingia o seu termo, aniquilada num só dia pelas forças libertadas cm Santorino.

Os Egípcios tiveram certamente conhecimento destes factos que, para além de tudo, se relacionavam com calamidades seu próprio pais. Tinham decerto conhecimento de que o mar tragara uma pequena ilha e que Creta, a grande; ilha que tão bem conheciam, tinha sido devastada. Os Cretenses, a quem os Egípcios chamavam Keftiou, mantinham há anos relações comerciais com o Egipto. Os Egípcios teriam concluído que os Cretenses haviam desaparecido repentinamente, pois os seus barcos não voltaram a demandar os portos do Nilo. Assim, para os Egípcios aquela ilha rica e fértil a nordeste deixara de existir, e a lembrança da sua extinção estava associada á memória da grande catástrofe que abalara a zona leste do Mediterrâneo. Nascera a lenda da Atlântida.

E a cultura da civilização utópica que é o fulcro do mito da Atlântida. Nesse aspecto verifica-se uma semelhança notável entre a descrição da Atlântida deixada por Platão e a sociedade minóica antiga descoberta em Cnossos, na ilha de Creta, na primeira década de 1900, pelo arqueólogo inglês Sir Arthur Evans. Anteriormente à destruição pela catástrofe de Santorino, Creta fora um próspero império insular, possivelmente a principal potência do Mediterrâneo, e o cenário onde florescera a primeira e a mais original forma de civilização requintada do Ocidente. Os barcos de Creta escalavam todos os portos do Mediterrâneo. Os Cretenses eram navegadores destemidos, comerciantes sagazes e construtores e urbanistas altamente competentes.

Actualmente os Cretenses são mais conhecidos pela espectacular prática de saltar sobre os touros, um desporto ou, possivelmente, um culto. As cidades possuíram banhos, sistema de esgotos e outros meios que lhes asseguravam o conforto material. A ilha, extensa, montanhosa e fértil, mas sujeita a tremores de terra, constituía, no mundo antigo, uma espécie de encruzilhada indiscutivelmente próspera. De súbito, após 500 anos, esta notável potência marítima, no auge da sua gloria, cai misteriosamente no esquecimento.

As suas semelhanças com a Atlântida de Platão são de facto evidentes; no entanto, seria impossível que Platão ou Sólon as reconhecessem, pois a antiga civilização minóica era desconhecida na Grécia da Antiguidade Clássica. Homero apenas faz referência a uma civilização muito mais tardia em Creta: no meio do oceano cor de vinho existe Creta, um pais belo e fértil rodeado pelo mar. Nele vivem inúmeros homens e existem 90 cidades; uma língua mistura-se com outras ...» De qualquer modo, esta descrição contem algo da Atlântida.

Há apenas 100 anos os principais centros da civilização minóica, Cnossos, Festos e Hagia Triada, não eram conhecidos. Os Minóicos estavam esquecidos, como no tempo de Platão. Quando Evans fez as suas notáveis descobertas, ninguém admitiu, a principio, as semelhanças entre esta cultura redescoberta e a Atlântida, exceptuando um certo K. T.. Frost, que em 19 de Fevereiro de l909 publicou as suas teorias num artigo em The Times de Londres. A hipótese minóica não voltou provavelmente a ser referida até 1939, ano em que na revista Antiquity surge um artigo assinado por Spyridon Marinatos. As descobertas efectuadas durante as escavações do porto de Amnisos alertaram Marinatos para a possibilidade de a destruição da civilização minóica estar ligada a erupção de Santorino. No entanto, foi apenas em 1967, aquando das suas descobertas em Santorino, que esta teoria se consolidou.

As duas imagens – a da esplendorosa cultura cretense que floresceu e subitamente se extinguiu, e que hoje sabemos ter existido, e a da Atlântida, o lendário continente perdido – pareceram então ajustar-se: Kaliste, a Atlântida da fábula, era apenas um posto avançado da brilhante civilização cretense. Verificam-se ainda certas discrepância de pormenor que podem perfeitamente atribuir-se á liberdade poética utilizada por Platão. A grande capital circular da Atlântida não terá nunca existido, e a sua menção pelo filósofo deve-se ao facto de que o circulo é um símbolo da perfeição.

Subsiste, no entanto, o confuso problema da datação, é possível que, ao atribuir à Atlântida uma existência de 9000 anos antes, Platão tivesse cometido um erro ao multiplicar as datas por dez. Admitindo esta hipótese, Platão teria querido dizer 900 anos, o que já faria sentido: 900 anos antes da viagem de Sólon ao Egipto situariam a destruição da Atlântida no ano 1500 a. C. aproximadamente. Desconhecem-se, além disso, outras culturas avançadas que tenham florescido em 12 000 a. C. Será então possível desmistificar a Atlântida e considera-la um problema histórico para o qual se encontrou solução?

De certo modo, o mito da Atlântida não pode morrer, pois está contido em mitologias de outros países. Na índia, designadamente os poemas épicos Maaharata e Ramaiana incluem as suas versões da Atlântida. Também o Egipto possui o seu continente perdido expresso na lenda da ilha do Condenado ou do Dcagio, lenda que data do Império Médio.

Por outro lado, mesmo as impressionantes provas cientificas em que a teoria de Santorino se apoia tem sido contestadas, assistindo-se actualmente a elaboração de uma outra teoria que localiza a Atlântida na ilha de Heligolândia, no mar do Norte.

Para concluir, poderá acrescentar-se que. presentemente é a teoria de Santorino e dos Açores aquelas que reúnem mais probabilidades de constituir a solução para o enigma da Atlântida, não estando, contudo, inteiramente provadas nem uma nem a outra. A Atlântida perpermanece assim como desde sempre – um dos mais duráveis mistérios da Terra.

1 comentário:

Anónimo disse...

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