Os espiões americanos estão de volta ao serviço sujo. Desde 1995, a CIA está proibida por lei de se meter em espionagem por meios ilegais, contratando criminosos, contrabandistas e mafiosos como informantes. Essas barreiras éticas foram suspensas em nome da necessidade de derrotar o terrorismo. A cidade de Peshawar, na região noroeste do Paquistão, na fronteira com o Afeganistão, é o primeiro alvo do novo modelo de espionagem. Entre seus mercados de rua circulam milhares de refugiados afegãos, de simpatizantes a inimigos do Talibã. São tipos que se oferecem em hotéis como guias, motoristas, tradutores. Eles se misturam a russos veteranos da guerra do Afeganistão, metidos com a máfia moscovita e o tráfico de ópio. É desse contingente de renegados que a espionagem americana espera obter informações que levem a Osama bin Laden e seus comparsas.
Peshawar está imersa naquele clima de desconfiança característico de ambientes que misturam pretensa neutralidade oficial com militância e espionagem. Istambul, na Turquia, e Casablanca, no Marrocos, foram assim durante a II Guerra Mundial. Viena também, antes da anexação da Áustria pelos nazistas. Os serviços de inteligência e espionagem, especialmente os ocidentais, que se tinham tornado estruturas burocráticas desde o fim da Guerra Fria, estão tendo de voltar à velha forma. Não é fácil. Os espiões tradicionais penduraram as chuteiras há um bom tempo. Seus substitutos são chamados de "analistas" e se fiam mais em fotos de satélite e vigilância eletrônica que no aliciamento de informantes ou na infiltração nas linhas inimigas no estilo 007. "Operações que incluem diarréia como modo de vida não ocorrem mais", diz Reuel Marc Gerecht, que trabalhou para a CIA, a agência de serviço secreto americana, durante nove anos.
O prestígio da CIA anda em baixa. O Paquistão fez testes nucleares em 1998 e seus agentes souberam pelos jornais. A CIA não antecipou e, obviamente, não evitou os dois atentados a embaixadas americanas em países africanos nem o ataque ao navio de guerra USS Cole, no Iêmen, atribuídos a Osama bin Laden. Tampouco soou o alarme antes dos vôos suicidas do dia 11 de setembro. O desafio agora é fazer com que os agentes voltem a pisar na lama e a produzir resultados. Mesmo que seja à moda antiga. A moda antiga é a dos golpes de Estado, dos assassinatos e chantagens. Em 1954, no auge da Guerra Fria, os agentes americanos duvidaram da lealdade do então presidente da Guatemala, Jacobo Arbenz, um democrata de méritos intelectuais reconhecidos. Desconfiada de Arbenz, a CIA montou uma farsa. Recrutou mercenários que se fizeram passar por guerrilheiros marxistas agindo no interior do país. Enquanto isso, na capital, uma emissora de rádio dominada pela CIA transmitia boletins falsos sobre o formidável poder bélico dos rebeldes e anunciava o assalto iminente ao palácio presidencial. O Exército leal a Arbenz se acovardou. Em meio à confusão, um oficial aventureiro semi-analfabeto chamado Carlos Castillo Armas, fantoche da CIA, derrubou Arbenz e se nomeou presidente. Obviamente, os tempos são outros, e, mesmo com o sinal verde para atropelar a ética, dificilmente um caso como o de Arbenz se repetiria na América Latina. Na Ásia Central, talvez.
A história da espionagem é cheia de figuras míticas, operações engenhosas e assombrosas traições de lado a lado. O agente da CIA Aldrich Ames talvez seja o maior caso de traição do serviço secreto americano. Encarregado de detectar contra-espionagem soviética, Ames se vendeu à KGB, passando-lhe por 2,7 milhões de dólares o nome de 36 espiões russos, alemães-orientais e poloneses que trabalhavam para os americanos dentro do bloco soviético. Dez deles foram executados pelos russos. Descoberto em 1994, Aldrich Ames foi condenado à prisão perpétua nos Estados Unidos. A Inglaterra também teve seus casos famosos na era clássica da espionagem. Talvez o mais bem-sucedido agente duplo da história, o inglês Kim Philby começou a carreira espionando para o MI6, serviço secreto inglês, nos anos 40. Comunista convicto, forneceu durante anos valiosas informações aos soviéticos. Em 1963, já sob forte suspeita, fugiu para Moscou, onde viveu como herói até a morte, em 1988.
O grande nome da espionagem moderna, porém, é o amigo de Philby, Markus Wolf, o "homem sem rosto". Chefe da Stasi, o serviço secreto da antiga Alemanha Oriental, Wolf infiltrou quase 1.000 agentes no Ocidente. Alguns deles em altos postos. Seu maior feito foi ter plantado o espião Günter Guillaume como secretário de Willy Brandt, primeiro-ministro da Alemanha Ocidental. Guillaume foi desmascarado em abril de 1974, e Brandt foi obrigado a renunciar semanas mais tarde. Nunca como agora a CIA desejou tanto dispor de gente com a inclinação e o talento de Philby e Wolf – só que para trabalhar de seu lado no submundo islâmico. Sabe-se que não será fácil. "Não se recrutam pessoas assim numa reunião de escoteiros", diz Donald Hamilton, veterano do escritório de contraterrorismo do Departamento de Estado americano.
Ajuda externa
Os serviços secretos que poderão trocar informações com os espiões americanos e ingleses no combate ao terrorismo.
FSB, DA RÚSSIA - É herdeira do serviço secreto da antiga União Soviética. Embora muitos de seus agentes sejam suspeitos de envolvimento com a máfia e a corrupção, seus arquivos guardam informações sobre o Afeganistão, onde os soviéticos guerrearam por dez anos.
RAW, DA ÍNDIA - Os conflitos com o Paquistão pela região da Caxemira levaram o serviço secreto indiano a manter-se bem informado sobre os movimentos na área. No entanto, desde que o Talibã assumiu o controle do Afeganistão, nenhum agente da RAW pisou no país.
SSI, DO EGITO - É o serviço de inteligência que chegou mais perto da organização Al Qaeda, de Laden, e conseguiu espantar muitos terroristas islâmicos de seu território. Em compensação, a turma de Laden infiltrou-se no governo. O Estado egípcio financiava duas das supostas instituições de caridade que desviavam recursos para os terroristas.
ISI, DO PAQUISTÃO - É a agência que tem maior número de espiões no Afeganistão. Apoiou o Talibã na luta contra os russos e até pouco tempo atrás treinava o pessoal de Laden. Prometeu colaborar com os americanos, mas há dúvidas sobre a confiabilidade das informações que fornece.
domingo, fevereiro 13, 2005
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