Novembro 2001
Um simples peregrino em viagem espiritual - "um eu neste corpo tibetano", como se designou a si próprio a certa altura, com uma risada bem disposta. Foi assim que o Dalai-Lama se apresentou ontem a uma Aula Magna cheia, a deitar por fora (literalmente), e maravilhada, para a conferência pública "A mente e a ciência", organizada pelo Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, no derradeiro dia da sua visita a Portugal. Antes de entrar no tema, e afinal para o introduzir, o líder tibetano aludiu aos actos terroristas de 11 de Setembro, para mostrar como "o conhecimento, a inteligência e a tecnologia, associados a emoções negativas, podem ter consequências tão trágicas". Expressando-se em inglês, o Dalai-Lama estabeleceu a diferença entre o que a ciência sabe sobre coisas tão longínquas como o espaço, o universo ou os planetas, e o que não sabe, afinal, sobre algo que nos é tão próximo: o cérebro. E a mente. "Será que a mente é uma entidade separada do cérebro?", questionou-se.
Acabaria por responder durante a conferência com a própria explicação budista sobre a mente. "Não há outra forma de o fazer para um budista", disse, explicando que passaria a falar tibetano a partir daí. Assim fez.
Fazendo um sobrevôo sobre a forma como a sabedoria budista considera a consciência e os seus diferentes níveis - algo que está intimamente ligado às emoções e ao equilíbrio entre as emoções positivas e negativas - o líder espiritual tibetano considerou que as emoções são justamente uma forma de aceder à mente. Como? Investigando as origens dos sentimentos negativos e cultivando a bondade e a compaixão. "Um coração bondoso não se compra no supermercado", disse, arrancando uma gargalhada à audiência.
Na sabedoria budista, a natureza da mente, que nenhum obstáculo pode obstruir e que é portanto contínua como o espaço, é "experiencial, luminosa e não física". Ou seja, existe num determinado nível ligada ao corpo e ao cérebro, mas existe também para além deles. Na sua língua materna e com uma seriedade particular, explicou que "o nível de consciência mais subtil acontece logo após a morte", rematando que "há quem se refira ao budismo como uma ciência da mente".
No fim, falando de novo em inglês, e voltando à sua maneira particular de pontuar as frases com pequenas gargalhadas, teve ainda tempo para aconselhar: "Se encontraram algo de útil no que ouviram, façam uso disso. Se não, vão para casa, fiquem mais quentinhos e esqueçam o que eu disse". A julgar pelo ambiente no final, o encontro com o Dalai-Lama não será facilmente esquecido pelos milhares de pessoas que estiveram na Aula Magna para o ver e ouvir.
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